A classificação dos fósseis e dos seres vivos modernos

Por Rosana Souza-Lima

Para nos comunicarmos é necessário nomear tudo o que nos rodeia. Senão, como você poderia, por exemplo, bater um papo, pedir um favor, expressar um sentimento? Assim, podemos supor que os seres vivos que nos rodeiam também venham sendo nomeados ao longo dos milhares de anos de existência da linhagem humana. Os cientistas, porém, precisam de um pouco mais de exatidão: afinal, para trocar dados e comentários sobre seres tão distintos, vivendo em pontos muito diferentes do planeta, precisam ter a certeza de que estão falando sobre a mesma coisa. Precisam, portanto, que os seres tenham um nome científico que seja o mesmo em qualquer ponto da Terra, que não mude regionalmente, e que seja conhecido por todos que trabalham com aquele assunto.

Os primeiros registros consistentes de agrupamentos de seres vivos e de propostas de uma nomenclatura científica são atribuídos a Aristóteles (Figura 1), que viveu na Grécia quase 400 anos antes de Cristo. Foi um pesquisador incrível, ainda mais se considerarmos os recursos de que dispunha. Considerado o “Pai da Zoologia” e “Pai da Ictiologia” (= estudo dos peixes), descreveu mais de 100 espécies de peixes do Mar Egeu (procure em um mapa onde fica!), agrupou os animais em vertebrados e invertebrados e reconheceu grupos como seláquios (tubarões e raias), aves e mamíferos. Quando Aristóteles propôs esses grupos ele estava em busca de algo que é meta dos pesquisadores até hoje: reconhecer as relações de parentesco entre os vários grupos de seres vivos. Apesar da ideia de “parentesco” ter sido usada, sobretudo, após a publicação do livro “A Origem das Espécies” por Charles Darwin em 1859, já vemos desde Aristóteles a preocupação em organizar os seres vivos de acordo com suas semelhanças e especificidades. A ideia por trás desses agrupamentos é simples: seria improvável que organismos diferentes apresentassem algumas características tão semelhantes entre si, se essas semelhanças fossem causadas por mero acaso: é muito mais provável que eles pertençam a uma mesma linhagem. Portanto, não basta batizar os seres vivos com nomes científicos e agrupá-los: nomes de grupos e os próprios agrupamentos refletem a origem comum desses seres. A Sistemática é a área da Biologia que avalia os caracteres de um ponto de vista comparativo para entender as relações de parentesco entre os organismos. O resultado dos estudos dos sistematas reflete na Taxonomia, que é o conjunto de acordos e regras específicas que determinam como deve ser a nomenclatura. A Sistemática, então, produz resultados que podem acabar modificando os nomes científicos que deveriam ser estáveis, para facilitar o trabalho dos cientistas. Entretanto, essas mudanças são necessárias, pois acontecem à medida que aprendemos mais sobre quem são os seres vivos que habitam a Terra. E essa é uma tarefa gigantesca, pois estima-se que não conhecemos ainda nem metade dessa biodiversidade. Muitas mudanças na nomenclatura ainda virão!

Figura 1: Esquerda: Busto de Aristóteles, naturalista grego, na Galeria Uffizi em Florença, Itália; Direita: Estátua de Carolus Linnaeus na fachada do Royal Palace em Estocolmo, Suécia. Fonte: Rosana Souza-Lima, 2019; 2012.

Muitas regras de nomenclatura usadas até hoje foram propostas por Lineu (Figura 1), naturalista sueco que a partir de 1735 começou a publicar sua proposta de sistema de classificação dos seres vivos, aplicando suas ideias para toda a diversidade conhecida até aquela época. Foi um trabalho de nomenclatura gigantesco, refletindo todas as ideias de sistemática daquele período! Entre os grupamentos que Lineu propôs está a inclusão dos humanos junto aos demais primatas… e pensar que 100 anos depois Darwin seria tão ridicularizado por uma ideia que nem era nova!

Você já deve ter estudado que Lineu propôs que os organismos fossem classificados em um sistema hierárquico que incluísse grupos cada vez menores de organismos cada vez mais parecidos entre si. E apesar de numerosos problemas metodológicos, é o que temos usado até agora; nesses 300 anos de uso, novas propostas são continuamente discutidas, e o sistema de nomenclatura reajustado. Existem comitês internacionais que estudam problemas de nomenclatura para cada um dos reinos de seres vivos.

Lineu propôs 7 categorias taxonômicas. “Reino” é a mais abrangente, podendo conter vários “Filos”; “Filo”, por sua vez, pode conter várias “Classes”… e assim por diante, até que chegamos a “Gênero”, que pode conter várias “Espécies” (Figura 2).

Figura 2: Eis um exemplo de como funcionam as sete categorias taxonômicas propostas por Lineu. “Reino”, aqui representado em verde, é a categoria mais abrangente. Nesse exemplo o Reino contém apenas um “Filo”, representado em azul, que contém apenas uma “Classe”, representada em roxo. Essa Classe, por sua vez, contém duas Ordens, representadas em rosa, que contêm uma Família em cada uma, representadas em vermelho. A Família da esquerda contém três Gêneros (representados em laranja): um deles com 10 espécies, outro com 7 e o terceiro com 17 espécies (representadas por triângulos amarelos). A Família representada à direita também contém três “Gêneros”: um com quatro, outro com duas e o último com três espécies. Fonte: Rosana Souza-Lima, 2020.

Conseguiu compreender como esse sistema de categorias exibe o parentesco entre os seres vivos? As espécies que pertencem ao mesmo gênero formam um grupo de organismos mais inclusivo, com fortes relações de parentesco. Essas relações vão ficando mais distantes até que em membros do mesmo Reino as relações existem, mas indicam que as linhagens se separaram há muito mais tempo. Para entender isso melhor, dê uma olhada na Figura 4. Essa “árvore” indica que todos os seres vivos têm a mesma origem. Uma das evidências mais forte desse relacionamento foi a descoberta do CÓDIGO GENÉTICO, que ajudou a decifrar como as moléculas de Ácido Ribonucleico (=RNA) decifram a sequência de bases nitrogenadas do DNA para construir um organismo. Os cientistas descobriram que cada três bases nitrogenadas em sequência, o CÓDON, determina a formação de um dos 20 aminoácidos que constituem as proteínas do corpo de qualquer ser vivo. Veja o significado de cada trinca na Figura 3. O Código Genético é dito “degenerado”, pois cada um dos 20 aminoácidos existentes pode ser codificado por mais de um códon: vejam na tabela (Figura 3) que seis códons codificam o aminoácido Leucina. E nenhum códon é ambíguo, codificando mais de um aminoácido: codificam APENAS UM! É, ainda, dito “UNIVERSAL”, pois cada códon é traduzido em um aminoácido idêntico em quase todos os organismos. Vejam na tabela: o códon UUA codifica o aminoácido Leucina tanto em um ser humano como em uma bactéria. Isso é incrível, e demonstra que há de fato uma origem única para todos os seres vivos: seria impossível que o significado dos códons fosse o mesmo, por acaso, para os mais de 1 milhão de seres vivos existentes.

Figura 3: Código genético: o significado dos códons, combinações de trincas de bases nitrogenadas que codificam cada um dos vinte aminoácidos existentes. Fonte: Flick, 2020; tradução livre para português; CC01.

Ligando essas diversas informações podemos concluir que um dos trabalhos fundamentais dos cientistas é nomear todos os seres vivos que são objetos de seus estudos e classificá-los, segundo suas características morfológicas, fisiológicas, comportamentais, cromossômicas ou moleculares, de modo a refletir o seu parentesco. Ao longo do tempo os esforços sempre se concentram em procurar uma metodologia satisfatória para comparar essas características a ponto de sabermos se elas indicam que dois organismos apresentam um ancestral comum ou se é apenas fruto de radiação adaptativa. Em 1950 um entomologista, Willi Hennig, publicou uma nova proposta, a metodologia CLADISTA: comparar o nosso grupo de estudo (= grupo interno) com um grupo de organismos próximo (= grupo externo) e avaliar que características do grupo interno são novidades: essas novidades, compartilhadas, vão revelando conexões entre as várias linhagens. Essa metodologia, que é a predominante nos trabalhos científicos atuais, trouxe muitas alterações taxonômicas: bem-vindas, pois significam refinamento da nossa compreensão sobre os organismos.

Em 1977 o microbiologista Carl Woese propôs que adotássemos uma nova categoria taxonômica acima de Reinos, os Domínios. Foram propostos três Domínios: Archaea, Bacteria e Eukarya (Figura 4). Os dois primeiros domínios incluem organismos procariontes, cujas células não apresentam núcleo celular verdadeiro e o material genético fica disperso no citoplasma. Unicelulares, podem apresentar nutrição autotrófica ou heterotrófica. O Domínio Archaea, mais próximo dos Eukarya, inclui organismos extremófilos que conseguem sobreviver em ambientes inóspitos, como os ricos em metano ou enxofre ou com temperatura muito alta. No Domínio Bacteria estão as bactérias que vivem no solo e na água, as causadoras de doenças e as cianobactérias, essas com muitos representantes fósseis. Assim, não mais existe o reino Monera, já que os organismos procariontes podem pertencer ao Domínio Archaea ou Bacteria.

Figura 4: Árvore filogenética dos seres vivos baseada nos trabalhos de Carl Woese (1990) usando dados de RNA. Fonte: Fundação Paleontológica Phoenix, 2020.

O Domínio Eukarya reúne os organismos eucariontes, que possuem material genético delimitado por uma carioteca (= membrana nuclear). Incluem os três Reinos atuais: Reino Plantae (= vegetais), Reino Fungi (= fungos) e Reino Metazoa (= animais). Os vegetais, uni ou pluricelulares, têm nutrição autotrófica (= fabricam açúcares a partir da fotossíntese), enquanto os fungos e os animais, pluricelulares, são heterotrófico (= precisam se alimentar de outros seres vivos): os fungos se alimentam por absorção e os animais por ingestão do alimento. O reino Protista ou Protoctista, como o Monera, também não é mais considerado válido: esses variados organismos, ainda pouquíssimo conhecidos, possuem parentesco com diferentes grupos, não formando um grupo com uma origem única que possam ser reunidos em um mesmo Reino.

Vamos verificar se compreendeu o texto?

Fósseis e a evolução dos seres vivos

Por Rosana Souza-Lima

“EVOLUIR” significa mudar. Nem exatamente para melhor, nem para pior: saber como aquela estrutura vai funcionar após a mudança depende também de saber que modificações sofrerá o ambiente em que aquele ser vive. Você já se perguntou como ocorrem tantas espécies diferentes no nosso planeta? Pois é! Ao que tudo indica, por contínuas pequenas modificações nos seres vivos, um processo conhecido como “evolução”. A EVOLUÇÃO é o estudo dos processos pelos quais os seres vivos mudam ao longo do tempo. Normalmente estes processos os tornam mais aptos à sobrevivência. Os organismos, ao evoluir, podem dar origem a novas espécies, com características bem distintas daqueles seres originais. O estudo dos fósseis distribuídos ao longo das diversas camadas de um registro sedimentar mostra como esses processos ocorreram, quais modificações surgiram e quais grupos surgiram ou foram extintos.

No nosso planeta temos uma infinidade de seres vivos muito diferentes entre si (Figura 1): enquanto alguns têm apenas uma célula, muitos outros são formados por muitos trilhões delas. Sem falar dos vírus, que nem células têm, mas usam as células dos outros seres vivos a seu favor. Essas células se organizam de modos distintos formando seres que vivem fixos em determinados lugares, como muitos fungos e plantas, ou seres que se deslocam livremente por aí, como muitos protistas e animais. Alguns desses seres são estruturalmente muitos simples, mas há seres que podem ter sistemas corporais complexos, como são o sistema digestório ou sistema nervoso dos animais, ou o sistema de vasos condutores de plantas que podem ter a altura de um prédio de muitos andares!

Figura 1: Árvore filogenética dos seres vivos baseada nos trabalhos de Carl Woese (1990) usando dados de RNA. Fonte: Fundação Paleontológica Phoenix, 2020.

Como é bastante discutido nos textos anteriores, a Terra muda todo o tempo: muda de posição no espaço, muda de posição em relação ao sol, sofre modificações de relevo… E os seres vivos, também mudam? À medida que foram sendo conhecidos fósseis de seres vivos muito diferentes dos que vivem atualmente, ficou evidente para os cientistas que alguns destes seres foram extintos. Outros fósseis, muito semelhantes aos seres que ainda vivem, pareciam ser de uma linhagem que se modificou ao longo do tempo (Figura 2). Será que isso seria possível? Como isso poderia acontecer?




Figura 2: Exemplos de fósseis do Cretáceo. Esquerda: A) Pseudaspidoceras flexuosus Powell, 1963 (Cefalópodo, Amonóide, bacia Sergipe-Alagoas); Direita: Dastilbe crandalli Jordan, 1910 (Gonorynchiformes, Chanidae (?), Formação Crato, Araripe, CE). Fonte: Fundação Paleontológica Phoenix, 2020.

Como quase tudo que existe no mundo, as ideias (mesmo as nossas!) também mudam ao longo do tempo. O conhecimento sobre qualquer assunto se beneficia continuamente de novas ideias, novos fatos, novas constatações. Assim, as ideias sobre o modo como ocorrem as modificações nos seres vivos ao longo do tempo, a chamada “TEORIA DA EVOLUÇÃO”, também tem sido constantemente atualizada, à medida que os pensadores entendem melhor os processos que podem causar essas modificações nos seres vivos. Desde a sugestão feita pelo biólogo francês Jean-Baptiste Lamarck em 1809 de uma “Teoria da Evolução”, muitos novos conhecimentos foram adicionados à essa proposta. E muitos mecanismos importantes nesse processo só começaram a ser compreendidos mais de 100 anos depois, quando os pesquisadores começaram a relacionar a teoria evolutiva às ideias sobre a hereditariedade das características em plantas propostas por Gregor Mendel em 1865 (Figura 3). Por aí você tem uma ideia de como podemos demorar a compreender um determinado problema!! E também deve ter entendido que a evolução tem uma forte ligação com a genética!

Figura 3: Esquerda: Mosteiro de Brno (República Tcheca) onde Gregor Mendel desenvolveu seus experimentos que constituem a base da Genética; Direita: estátua em sua homenagem, no mesmo local; Brno, República Tcheca. Fonte: Wagner Souza-Lima, 2007.

Apenas na década de 1950 começamos a compreender a relação entre o ácido desoxirribonucleico (DNA) e a herança de uma característica. O DNA é uma molécula constituída por segmentos, os nucleotídeos, que se repetem formando longas sequencias. Numa das extremidades desses nucleotídeos encontra-se um dos quatro tipos de bases nitrogenadas: é justamente a sequência dessas bases nitrogenadas que funciona como o código de construção de uma característica do organismo (Figura 4).

Figura 4: Ligação das bases nitrogenadas entre os nucleotídeos formadores da molécula de dupla-hélice do Ácido Desoxirribonucleico (DNA). Fonte: Lijealso; https://commons.wikimedia.org, 2020; CC BY-SA 3.0.

O DNA fica dividido em pacotes no núcleo da célula, os CROMOSSOMOS, cujo número costuma ser fixo em cada espécie: humanos têm 46 cromossomos (23 pares), enquanto o cão, por exemplo, possui 78 (39 pares), e um bovino possui 60 cromossomos (30 pares). Cada cromossomo tem um formato específico e é dividido em vários segmentos funcionais, os GENES: um gene é um segmento de uma molécula de DNA que codifica uma característica específica do organismo (Figura 5). Quando um ser vivo forma gametas, as células especiais que serão usadas na reprodução sexuada, a meiose separa os pares de cromossomos, de modo que cada gameta só tem um cromossomo de cada tipo. Quando ocorrer a fecundação, que é o encontro dos gametas masculinos e femininos, o cromossomo do pai se encontra com o cromossomo da mãe, formando uma mistura única de genes que resultarão em um novo ser vivo. Assim, cada ser que foi produzido por fecundação é um misto de caracteres herdados por cada um dos pais. Cada célula humana, por exemplo, tem cerca de 25.000 genes, e cada célula bovina possui cerca de 60 mil genes.

Figura 5: O cromossomo é formado por uma longa molécula de DNA que contém vários genes. Fonte:
Butler, M.G.; Rafi, S.K.; Manzardo, A.M. & Gavulic, L.; https://commons.wikimedia.org, 2020; CC-BY-4.0.

Cada ser vivo muda muito ao longo da vida. A maioria dessas mudanças são determinadas pelo funcionamento diferencial dos genes ao longo do tempo. Por ex., numa determinada idade os humanos, que nascem desdentados, formarão os primeiros dentes. Após algum tempo esses dentes cairão e serão substituídos por dentes geralmente maiores e mais fortes. Depois disso, nunca mais formarão dentes novamente: isso indica que há um tempo certo para a dentição se estabelecer. Já os cabelos podem crescer continuamente… embora em alguns casos eles possam cair completamente! Nosso padrão de crescimento dos cabelos pode ser facilmente identificado analisando-se nossos familiares. Entretanto, algumas mudanças que sofremos não são herdadas, mas são causadas pela ação do ambiente sobre o nosso material genético, e podem ser significativas a ponto de alterarem o funcionamento desses genes: essas são as mudanças causadas por MUTAÇÕES (Figura 6). Aleatórias, ocorrendo ao acaso, as mutações podem causar prejuízos, benefícios ou serem neutras, mas apenas se ocorrerem nos gametas serão transmissíveis aos descendentes.

Figura 6: Encontre a diferença no desenho inferior e terá encontrado o local em que essa molécula de DNA sofreu mutação por substituição de base nitrogenada. Fonte: Rosana Souza-Lima, 2020.

Todo ser vivo, portanto, é constituído por um conjunto de características genéticas (Figura 7) que foram herdadas ou desenvolvidas através de um processo de mutação: nesse conjunto genético a maioria dos genes é funcional e fundamental para nossa vida, mas alguns deles podem determinar a expressão de características não tão boas. O que vai determinar a sobrevivência desses organismos são as respostas que seu corpo oferecerá, influenciado pelas condições ambientais do local em que vive. Se conseguir viver até à idade adulta e deixar filhotes, melhor ainda: garantiu que seu conjunto genético continuará presente nas futuras populações. Essa sobrevivência diferencial de alguns organismos constitui um dos processos chaves do processo evolutivo, pois determina que conjuntos gênicos estarão determinando as características das gerações futuras: esse é o processo da SELEÇÃO NATURAL, conhecido meio que incorretamente como a “lei do mais forte”. Na verdade, esse “mais forte” não quer dizer que os organismos muscularmente fortes sobreviverão (até porque nem todo organismo tem músculos!): significa apenas que aquele foi um dos conjuntos de genes “mais fortes” (= dos que tiveram melhores condições de ir para a frente) daquele concurso secreto de conjuntos de genes. É que quando Darwin e Wallace publicaram suas ideias sobre esse processo, em 1858, os cientistas da época nem tinham ideia ainda sobre quais eram as causas da hereditariedade (lembre-se que o trabalho de Mendel ficou esquecido por uns 30 anos, após sua publicação em 1865, até que os pesquisadores começassem a se dar conta da importância daquelas ideias).

Figura 7: Porcentagem de tipos de material genético em um humano. Todo ser vivo possui um conjunto de genes que determina suas características; se conseguir reproduzir-se, garantirá a presença de boa parte desses genes na nova geração de organismos da sua espécie. Fonte: Genomics Education Programme; https://commons.wikimedia.org, 2020; CC-BY-2.0.

O processo de seleção natural, portanto, depende da relação direta do nosso conjunto gênico com as condições ambientais no momento da nossa vida: será que se alguma coisa fosse um pouco diferente teríamos tido as mesmas chances? Jamais saberemos. E se fôssemos capazes de garantir que um organismo bem sucedido em uma certa geração estivesse presente, idêntico, com as mesmas características, em 2, 5 ou 10 gerações futuras, será que ele sempre se daria bem? Improvável, já que o mundo em que ele vive também muda bastante… às vezes até mesmo no espaço de um dia!

Por que um conjunto gênico que dura mais tempo é considerado “vencedor”? Porque esses genes continuarão interagindo com outros, determinando novas combinações de genes. A troca de genes pode ocorrer entre indivíduos de uma mesma população e até mesmo entre indivíduos de populações diferentes, criando um FLUXO GÊNICO (Figura 8) que espalhará esses genes para muito além do seu local de origem, garantindo a divulgação de suas características em outros lugares. Esses genes dispersos são quase como se fosse uma publicação no Instagram que ganha cada vez mais curtidas por pessoas que vivem em muitos lugares do mundo, até mesmo locais que quem publicou nem sabia que existiam.

Figura 8: A troca de genes entre membros de uma população ou entre membros de populações vizinhas de uma mesma espécie garante a heterogeneidade do conjunto gênico. Quando o fluxo gênico cessa as diferenças acumuladas ao longo do tempo por alterações exclusivas em cada população podem levar ao isolamento reprodutivo e ao surgimento de novas espécies. Fonte: Rosana Souza-Lima, 2020.

Entretanto, mesmo se espalhando por aí, os genes estarão sempre sujeitos à seleção provocada por eventos ambientais, sejam eles naturais ou artificiais. Uma catástrofe ambiental, como um terremoto ou a explosão de uma barragem, extermina organismos ao acaso, alterando drasticamente os rumos das várias populações de seres vivos daquele local. Assim, após um evento qualquer que afete os organismos vivos de uma dada região sempre haverá um novo saldo de genes circulando por aquela área. A isso damos o nome de DERIVA GÊNICA: é um processo aleatório (= ocorre ao acaso), e não há como prever a direção da mudança relativa aos tipos de genes que se estabelecerão naquela área a partir daquele momento (Figura 9). Quanto menor o tamanho da população resultante, maior será o efeito da deriva gênica. O evento catastrófico causa um EFEITO DE GARGALO, assim nomeado simbolizando o espaço estreito por onde o conteúdo da garrafa (= população) terá que passar para ter novas oportunidades. Essa população será a responsável pelo repovoamento daquela área, e os genes que possui serão a matriz de variações futuras: chamamos a isso de EFEITO FUNDADOR.

Figura 9: Cabeça de Argentinosaurus huinculensis Bonaparte & Coria, 1993 exposta no Museo Bernardino Rivadavia, Buenos Aires, Argentina. A extinção dos dinossauros no final do Cretáceo (há cerca de 65,5 milhões de anos), é um exemplo de deriva gênica: um evento levou ao desaparecimento de quase todas as formas desses animais. Fonte: Rosana Souza-Lima, 2007.

Assim como ocorrem mudanças individuais com cada organismo, as espécies que eles representam também acumulam mudanças ao longo dos milhares de anos em que vivem no Planeta Terra: o termo técnico para designar esse conjunto de mudanças é ANAGÊNESE. Todas essas mudanças acumuladas, que vão sendo trabalhadas pelos eventos acima descritos ao longo do tempo, são responsáveis por alterar o genótipo (= conjunto de genes) de uma população (Figura 10).

Figura 10: O termo “ANAGÊNESE” se refere ao conjunto de alterações gênicas sofridas por uma população ao longo do tempo. Nesse esquema as bolinhas representam organismos, enquanto as cores das bolinhas representam o conjunto gênico de cada organismo, que está mudando de proporção ao longo do tempo. Fonte: Rosana Souza-Lima, 2020.

Quando alguma barreira separa os organismos de uma população interrompendo seu fluxo gênico, está criada a oportunidade para a evolução diferencial das populações separadas. Esse evento de separação é chamado de EVENTO CLADOGENÉTICO, e a interrupção do fluxo gênico pode ser causado por uma barreira geográfica (Figura 11) ou por um processo que impeça, dali em diante, a reprodução dos indivíduos originários das distintas populações.

Figura 11: Montanhas são eficientes barreiras cladogenéticas para vários organismos. Na Sierra de la Ventana (província de Buenos Aires, Argentina), por exemplo, vê-se, à direita da foto, os sinais dos dobramentos que ergueram essas montanhas. Fonte: Rosana Souza-Lima, 2012.

Assim é, portanto, que os cientistas estimam que seja o processo de surgimento de espécies novas (= ESPECIAÇÃO). Além dos efeitos da deriva gênica e do efeito gargalo, porém, que podem reduzir muito o número de organismos de uma população, outros processos podem levar à contínua diminuição do número de indivíduos de uma dada espécie até que os últimos organismos morram; sem mais descendentes, a espécie é declarada extinta (Figura 12). A extinção pode ocorrer mesmo em espécies que tenham tido populações grandes, mas que aos poucos foram sofrendo diminuições do número de indivíduos e extinções locais, até que definitivamente não ocorra mais. E dependendo do local em que esses seres viveram e morreram os seus corpos podem ser parcialmente preservados, constituindo o registro fóssil.

Figura 12: Eis os caminhos tomados por qualquer linhagem que viva na Terra: diversificar-se ao longo do tempo, originando novas linhagens, ou extinguir-se. Fonte: Rosana Souza-Lima, 2020.

Os fósseis e os períodos geológicos

Por Wagner Souza-Lima

O tempo geológico

Ao longo da evolução do conhecimento científico, muitos estudiosos começaram a observar os fósseis e suas relações com as rochas onde ocorrem. Assim, foram notando que alguns grupos ocorriam em várias camadas, ao passo que outros tinham ocorrência muito restrita, e novos grupos surgiam nas camadas sobrejacentes, enquanto outros sumiam, e assim por diante. Esse ordenamento sucessivo de camadas chamou a atenção de Niels Steensen (1638-1686 – latinizado para Nicolas Steno), um cientista dinamarquês. Steno argumentou que cada camada, por ser depositada sucessivamente umas sobre as outras, representavam fatias do tempo. Então o que estava contido nessa camada representava o tempo de quando elas foram depositadas. Seria algo como o que chamamos de “cápsula do tempo”. Assim, Steno definiu o que se conhece como a “lei da superposição”, que estabelece que qualquer camada de uma sucessão de rochas sedimentares é mais antiga do que aquelas acima delas, e mais novas do que as que estão abaixo.

Então, se cada camada representa “o tempo”, seria possível compreender a história do planeta organizando-as! As primeiras tentativas de se propor uma escala para o tempo no planeta permitiram a divisão das rochas sedimentares em quatro conjuntos: primário, secundário, terciário e quaternário. Esta subdivisão baseou-se na observação de que entre os conjuntos haviam mudanças significativas nas rochas e no seu conteúdo fóssil que refletiam mudanças abruptas na história da Terra. Pouco a pouco, mais e mais cientistas foram estudando as rochas sedimentares, camada por camada, em diferentes pontos do planeta. A princípio, esses estudos foram dominados pelos cientistas europeus, os britânicos e franceses em particular. Deste modo, à medida em que se detectava alguma mudança expressiva dentro destes conjuntos, faziam-se novas subdivisões, que detalhavam ainda mais os eventos geológicos e biológicos da história do planeta. Assim, foram sendo propostos nomes para um desses intervalos de tempo e para as rochas que os registravam: por exemplo, o termo “Cambriano” foi proposto a partir de “Cambria”, o nome latino para o País de Gales, onde rochas características desse período foram estudadas.

Foram, deste modo, definidos os períodos, épocas e estágios da escala do tempo geológico conforme hoje conhecemos. O termo Cretáceo, p. ex., foi derivado do latim Creta, que significa “calcário”, tendo sido proposto por Jean d’Omalius d’Halloy em 1822 a partir de estudos dos calcários da bacia de Paris. O Jurássico, derivado das montanhas do Jura, no SE da França, e assim vários outros termos hoje consagrados. Estes diferentes conjuntos de estratos foram agrupados, e o intervalo de tempo associado a cada um deles permitiu a construção de uma escala do tempo geológico tal como hoje a conhecemos.

Cada um destes períodos de tempo na escala do tempo geológico tem seus limites marcados por mudanças geológicas ou paleontológicas registradas nestas camadas, correspondentes a eventos geológicos ou paleontológicos significativos na história do nosso planeta como, p. ex., as grandes extinções em massa, das quais as mais significativas são a da transição entre o Permiano e o Triássico (a maior de todas!) e aquela do final do Cretáceo (a mais famosa, que causou a extinção dos dinossauros).

Com base nessa organização sequencial de eventos é possível então compreender como ocorreu a evolução dos seres vivos e por quais modificações o planeta passou ao longo da sua história: tudo está registrado nas rochas, como um livro. Apenas precisamos aprender a lê-lo.

Nesta divertida ilustração, uma coluna geológica é apresentada como uma sucessão sedimentar hipotética, onde o registro sedimentar das épocas e períodos geológicos são mostrados à direita, com ilustrações esquemáticas de fósseis característicos de cada intervalo à esquerda. Observe que a escala do tempo (à direita), não é constante, para facilitar a compreensão. As principais extinções ocorridas no tempo geológico estão também indicadas – a da transição do Permiano (P) ao Triássico (T) e a do final do Cretáceo (C), na passagem para o Paleoceno (P). Ilustração utilizada com autorização do autor, https://www.trollart.com).

Como se datam as rochas usando fósseis?

A datação das rochas sedimentares utilizando fósseis parte do princípio de que alguns organismos, não um indivíduo, mas o grupo do qual faziam parte, tiveram uma existência restrita no tempo geológico, por vezes muito curta. Então sua ocorrência restringe-se a poucas camadas sedimentares. Assim, quando o fóssil deste mesmo organismo é encontrado em rochas de outros locais, presume-se que estas rochas tenham a mesma idade, pois os organismos teriam vivido na mesma época.

Os fósseis, em particular, os que tiveram uma existência muito curta, são os melhores indicadores de tempo. Essa existência curta, aliada a uma ampla distribuição geográfica, tal que ele ocorra em várias partes do planeta, e a facilidade de serem encontrados e identificados, os tornam aptos a serem denominados de FÓSSEIS-GUIA. Assim, quaisquer ocorrências destes fósseis em qualquer lugar do planeta definirão rochas de mesma idade. Normalmente fósseis marinhos, de natação livre, são os melhores fósseis-guias.

Cada fóssil-guia ou um conjunto de fósseis-guias define o que se chama BIOZONA ou, genericamente, “zona”. Cada biozona é denominada pelo nome do próprio fóssil que a define ou por um código.

Como a deposição de sedimentos é um processo relativamente contínuo nas áreas de deposição denominadas de BACIAS SEDIMENTARES, cada camada, definida por suas características composicionais (p. ex., areia, argila, etc.) e conteúdo fóssil sobrepõe-se àquelas já depositadas, numa sucessão de estratos à moda de um bolo e suas camadas. Assim, as camadas mais superiores são mais novas que as camadas inferiores, desde que não tenham ocorrido processos geológicos que possam ter invertido esse arranjo inicial, o que é comum em grandes cadeias de montanhas. Portanto a datação obtida pelo uso dos fósseis é denominada de DATAÇÃO RELATIVA, pois define apenas quais camadas são mais novas ou mais velhas baseadas no seu empilhamento ou pela detecção de fósseis-guias em camadas individuais de locais diferentes.

E como se estabelece que uma camada ou fóssil tem X milhões de anos? Isso é tema para outro assunto denominado de DATAÇÃO ABSOLUTA.

O que são fósseis, como se formam e sua importância

Por Wagner Souza-Lima

O que são fósseis

FÓSSEIS são os restos de organismos (p. ex., plantas e animais) que viveram há milhões de anos. Na verdade, não apenas os seus restos (esqueletos, carapaças, conchas e até mesmo tecidos e penas), mas quaisquer outras evidências da sua existência, tais como pegadas e outras marcas de sua locomoção ou habitação, dentre outros (figura 1). Um fóssil pode ser desde um enorme dinossauro até um microscópico pólen de uma planta, ou uma bactéria. Certamente os maiores acabam atraindo mais curiosidade, mas os diminutos são muitas vezes de incomparável beleza. A dificuldade está apenas em observá-los: muitas vezes é necessário o uso de microscópios com aumentos muito grandes! A ciência que estuda os fósseis é denominada PALEONTOLOGIA.

Na natureza, nem sempre os organismos fósseis são encontrados inteiros – muitas vezes (na verdade é muito mais comum do que se imagina), só encontramos fragmentos ou partes de um organismo. E entender como seria esse organismo é como se fôssemos montar um quebra-cabeças cujas partes ainda estão separadas ou mesmo foram perdidas. Quanto menos “peças” temos, mais difícil pode ser a identificação de um fóssil. Muitos dos enormes esqueletos de dinossauros montados em vários museus do mundo são construídos com “peças” de vários organismos da mesma espécie! Mas ainda bem que muitas vezes temos a sorte de encontrar um organismo inteiramente fossilizado.

Como se formam os fósseis

Nem todos os organismos que viveram no passado se tornaram fósseis. Às vezes, de uma imensa população pode não se preservar sequer um espécime como fóssil, ao passo que populações pequenas de um organismo podem ser preservadas como inúmeros espécimes fósseis. Tudo, na verdade, depende de uma série de fatores que permitam a preservação de um organismo após a sua morte: ter algo rígido como um esqueleto ou carapaça já ajuda bastante no processo, mas não é o fundamental. Por vezes impressões tênues e muito bem preservadas de folhas ou mesmo de um animal de corpo mole, como de medusas e águas vivas, são encontradas. Um dos principais fatores para que o processo de fossilização tenha sucesso é que, após a morte do organismo, este seja rapidamente soterrado. O soterramento, além de dificultar a desagregação e dispersão das partes que compõem um organismo, limita o contato dos restos deste organismo com o oxigênio, o que evita a sua decomposição. Esse soterramento ocorre, por exemplo, pelo acúmulo rápido de sedimentos sobre os organismos. Ou uma avalanche! Disso se conclui que os fósseis estão normalmente associados às ROCHAS SEDIMENTARES – poderiam até ser encontrados numa rocha metamórfica, desde que derivada do metamorfismo de uma rocha originalmente sedimentar e que o processo metamórfico não tenha sido muito intenso. Por outro lado, as temperaturas envolvidas na formação das rochas ígneas não são favoráveis à preservação de organismos, contudo seria possível encontrar-se pegadas de um animal impressas em tufos vulcânicos (o que, se formos pensar, não deixa de ter uma origem um tanto sedimentar).

As rochas sedimentares são formadas através do transporte e sedimentação de grãos e partículas que se originam da decomposição de outras rochas. As rochas costumam se desagregar pela ação da água, do vento, das variações de temperatura ao longo dos dias ou das estações do ano. Os grãos e partículas são então transportado pela água e pelo vento, como exemplo tem-se os rios e as dunas. Neste processo, incorporam restos dos organismos que viveram no ambiente em que foram depositados ou que são transportados pelo caminho. Estes sedimentos são acumulados nas áreas de deposição denominadas de BACIAS SEDIMENTARES formando camadas, umas sobre as outras (figura 2).

Figura 1 – Os ambientes mais propícios à existência de fósseis são aqueles das bacias sedimentares. Nestas bacias, restos de organismos que nela vivam ou que para ela foram transportados são acumuladas junto às outras partículas sedimentares, como grãos minerais e fragmentos de rochas. Além dos restos orgânicos, podem ser preservadas outras evidências indiretas da existência de organismos, como pegadas. Após a morte do organismo, as melhores condições de uma boa preservação é o soterramento rápido. Contudo, a presença de um esqueleto ou uma carapaça rígida ajuda bastante! À direita da figura, cada campo circular mostra um momento do processo de Ao longo do processo de soterramento, compactação e litificação (endurecimento) do sedimento, os restos do organismo podem sofrer vários processos, principalmente de origem química. Por vezes, pode-se preservar até mesmo tecidos delicados; em outras, nada resta além de uma suave impressão. Fonte ilustração: Wagner Souza-Lima, 2020 (CC BY-NC 4.0).

Após serem soterrados, os restos dos organismos passam por uma série de transformações de tal modo que muitos se petrificam, sendo substituídos por vários minerais num processo que se chama de substituição, ao mesmo tempo que o sedimento endurece e se transforma em rocha, podendo também passar por processos de recristalização. Um outro processo pode levar à dissolução total das substâncias que compunham o organismo, deixando apenas um vazio do seu molde. Já este molde pode ser novamente preenchido, formando um contramolde.

Qual a importância dos fósseis?

Embora hoje possa parecer óbvio que os fósseis são evidências de organismos que habitaram nosso planeta ao longo da sua história, aceitar essa interpretação não foi algo tão fácil e rápido, principalmente devido a interferências de concepções religiosas. Embora na antiga Grécia Aristóteles já havia inferido que conchas fósseis encontradas nas rochas, por suas semelhanças com as atuais, seriam uma evidência de organismos que teriam vivido no passado, muitos séculos depois ainda se discutiam estas questões. Os fósseis são importantes porque eles nos mostram como era a vida na Terra antes dos seres humanos existirem. Nossos ancestrais mais primitivos, denominados de Homo habilis, datam de cerca de 2,8 milhões de anos atrás. Mas nossa espécie, conhecida como Homo sapiens, surgiu há “apenas” 300 mil anos. Já nosso planeta, a Terra, tem cerca de 4,6 bilhões de anos, então tudo o que sabemos desse período de tempo tão grande entre o surgimento do planeta e o aparecimento do homem moderno vem do estudo da GEOLOGIA e dos fósseis.

Os fósseis também ajudam na datação das rochas sedimentares. A ciência que usa os fósseis para a datação é conhecida como BIOESTRATIGRAFIA.

A tectônica de placas

Por Wagner Souza-Lima

Alguma vez, olhando um mapa mundi, você observou como o contorno entre as costas da América do Sul e África parecem complementares? Já em meados do séc. 19, o geógrafo Antonio Snider-Pellegrini, observando esta similaridade, sugeriu um possível encaixe entre as costas da margem atlântica da América do Sul e da África, de modo que em alguma época elas teriam estado juntas. Em 1885, o geólogo austríaco Eduard Suess identificou que uma flora fóssil composta por samambaias arborescentes do gênero Glossopteris ocorria na América do Sul, África e India. Com isso, ele sugeriu que estes três continentes estiveram unidos por pontes de terra, formando um grande continente ao qual denominou Gondwana.

Reconstrução apresentada pelo geógrafo Antonio Snider-Pelegrini em 1858 onde ele sugeriu que os continentes da Terra teriam estado unidos em algum tempo passado. Esta hipótese foi levantada principalmente devido ao encaixe quase perfeito entre a América do Sul e África (Snider-Pelegrini, 1858).

Contudo passaram-se mais de 50 anos até que no início do séc. 20 novos questionamentos começassem a ser feitos. Um dos mais importantes pioneiros nessa área foi o geofísico alemão Alfred Wegener (1880-1930). Além de questionar o encaixe quase perfeito de algumas das grandes massas continentais da Terra, comparando os tipos de rochas, estruturas geológicas e outros grupos fósseis de ambos os lados do Atlântico, ele encontrou muitas similaridades que evidenciavam ainda melhor esse “encaixe”. Sua teoria acerca da DERIVA CONTINENTAL foi apresentada em 1912, defendendo que os continentes já teriam sido parte de uma única enorme massa continental que depois se rompeu e se separou. A este supercontinente, Wegener denominou “Urkontinent”, significando “o continente primaz” e, posteriormente “Pangäa”, do grego “Pangaia”, a terra-mãe, e que hoje denominamos de PANGEA.  De início, esta teoria foi recebida com muito ceticismo pela maior parte da comunidade científica, principalmente pelo fato de que não se imaginava quais mecanismos poderiam permitir este movimento. Porém, pouco a pouco a evolução do conhecimento científico foi mostrando novas evidências que reforçavam a deriva dos continentes, bem como facilitavam a compreensão dos mecanismos que propiciavam esta separação.

Em 1929, o geólogo inglês Arthur Holmes (1890-1965) propôs que no manto, a existência de correntes de convecção que dissipavam o calor radioativo do interior da Terra seria responsável pela movimentação da crosta. O princípio é o mesmo que se observa ao se colocar água para aquecer numa panela: a água aquecida, menos densa, sobe, ao passo que a água mais fria da superfície, mais densa, desce.

Representação esquemáticas das correntes de convecção atuantes no manto da Terra. A ascensão das correntes carrega material fundido para cima, o qual gera nova crosta oceânica nas cadeias mesoceânicas, onde se solidifica. O ramo descendente destas correntes, por sua vez, pode favorecer o arrasto lateral das placas, causando seu afastamento da área de expansão e, adicionalmente, a reciclagem destas placas oceânicas nas fossas, em zonas denominadas de subducção. Fonte ilustração: Wagner Souza-Lima, 2020 (CC BY-NC 4.0).

A LITOSFERA é dividida em placas, algumas maiores, outras nem tanto, chamadas de placas tectônicas. Como estas placas de certo modo “deslizam” sobre a porção mais plástica do manto, a ASTENOSFERA, a disposição delas muda com o tempo devido às correntes de convecção. A ascensão das correntes gera nova crosta oceânica, pois empurra rocha fundida crosta acima, como se observa atualmente nas cadeias montanhosas submarinas, a exemplo da “Cadeia oceânica meso-atlântica” (Mid-Atlantic Oceanic Ridge), onde se solidifica. O ramo descendente destas correntes, por sua vez, pode favorecer o arrasto lateral das placas, causando seu afastamento da área de expansão e, adicionalmente, a reciclagem das placas oceânicas. Estas, por serem mais densas, tendem a se deslocar para baixo das placas continentais, em um movimento denominado subducção – um processo que ocorre nas fossas oceânicas – extensas, profundas e relativamente estreitas depressões no fundo dos oceanos.

Assim, ao longo de milhões de anos os continentes vão mudando de posição, afastando-se um dos outros e também colidindo entre si, mudando a geografia do planeta e alterando os ecossistemas e ambientes deposicionais. Clicando no botão abaixo você poderá ver uma interessante animação que mostra uma reconstituição da configuração dos continentes nos últimos 1,5 bilhão de anos, um verdadeiro balé geológico!

Nos processos de colisão são geradas as cadeias de montanhas, como os Andes e os Himalaia, e a ruptura de uma placa e o seu afastamento pode gerar novas bacias sedimentares e um novo oceano, por exemplo. Essas colisões explicam também porque alguns fósseis de organismos que viveram no fundo dos oceanos são hoje encontrados no topo das montanhas. Assim como algumas regiões são soerguidas, outras podem ser rebaixadas e, desse modo, desertos viram mares e mares podem virar desertos. As regiões soerguidas estarão sujeitas a erosão e então irão gerar partículas que darão origem às rochas sedimentares. E a história recomeça mais uma vez, num imenso ciclo.

Ao longo do séc. 20, com a ampliação do uso de equipamentos sísmicos, os cientistas observaram que os grandes tremores de terra tendem a concentrar-se em determinadas áreas do planeta, coincidentes com as cadeias meso-oceânicas e com as fossas oceânicas – exatamente as feições que definem os limites entre as placas tectônicas.

Distribuição dos terremotos ocorridos entre os anos de 1963 e 1998. Nela pode-se observar que os tremores concentram-se em áreas do planeta coincidentes com as cadeias meso-oceânicas e com as fossas oceânicas – esta distribuição define os limites entre as placas tectônicas. (Imagem obtida em https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Quake_epicenters_1963-98.png; Nasa)