Como vimos, a Terra é um planeta em constante movimento, em todos os aspectos possíveis. Camadas internas do planeta dissipam o calor desde o núcleo, criando imensas correntes de convecção no manto. Estas correntes movimentam as placas tectônicas, e com isso modificam as configurações dos continentes. Esses processos constroem montanhas (os movimentos denominados OROGÊNICOS), destroem placas e reciclam rochas (e com isso perdemos registros do passado…). Os movimentos das placas causam terremotos e atividades vulcânicas, que podem causar tsunamis e muita destruição. A água e o vento causam erosão das rochas, dos solos e dos sedimentos, mudam a paisagem do planeta constantemente, à nossa vista. Mas todos esses fenômenos são naturais, fazem parte da dinâmica do planeta, e ocorrem no planeta de uma ou outra forma desde a origem da Terra.
Entre o Paleoceno e o Eoceno (há 56 Ma), p. ex., estima-se que a temperatura global aumentou entre 5 e 8°C, assim permanecendo por entre 20 e 50 mil anos. As causas são ainda discutidas, mas supõe-se que o aumento tenha sido ocasionado por intenso vulcanismo no Atlântico Norte. O aumento da temperatura causou, dentre outros, a extinção de muitos foraminíferos bentônicos e o avanço dos mamíferos para a Europa e América do Norte. Já no final do Proterozoico, há cerca de 720 Ma, a Terra passou por um dos períodos mais frios da sua história. As temperaturas chegaram a valores tão baixos, que as geleiras cobriram o planeta até cerca de 25° em relação ao equador, o que levou à proposta da teoria da “Terra bola de neve (snowball Earth)”. Esses são alguns exemplos, contudo vários outros fenômenos naturais de efeitos drásticos ocorreram na Terra ao longo da sua história geológica. Muitos deles ocasionaram profundas modificações ambientais, com a extinção de muitos organismos terrestres e marinhos (figura).
Figura 1: Representação das posição relativa dos mares em relação ao nível atual (0, no eixo y) ao longo do tempo geológico (eixo x). O tempo está representado de forma abreviada: N (Neogeno), Pg (Paleogeno), K (Cretáceo), J (Jurássico), Tr (Triássico), P (Permiano), C (Carbonífero), D (Devoniano), S (Siluriano), O (Ordoviciano), Cm (Cambriano). As curvas variam de acordo com a metodologia empregada, assim são mostradas duas opções, a azul e a vermelha. Fonte: www.globalwarmingart.com (CC BY-SA 3.0).
Então poderíamos pensar: o aquecimento global não é uma ameaça? Ele já aconteceu outras vezes… A questão é como e a quais taxas isso acontece. As variações globais de temperatura ocorreram e ainda ocorrem. São processos naturais, por vezes influenciado por questões interplanetárias. Mas ocorrem como processos muito, muito lentos – o aquecimento do limite Paleoceno-Eoceno, p. ex., levou cerca de 30 mil anos. Isso é rápido do ponto de vista geológico, mas do ponto de vista da vida humana, é um tempo enorme. O problema é quando esses processos ocorrem de forma acelerada, como decorrente da ação humana.
Os homens desmatam, matam, constroem, poluem, envenenam o meio ambiente. Tudo muda drasticamente numa questão de anos a poucos dias! Desastres ambientais do tipo que ocorreu em Mariana (2015; figura 2) e Brumadinho (2019) causam danos ambientais imensuráveis! A aceleração do desmatamento, queimadas, poluição industrial, liberação de monóxido de carbono, dentre outros, acelera o aumento da temperatura global, independentemente de ser uma tendência natural ou não. O aquecimento acentuado, descontrolado, leva ao derretimento das calotas polares e dos campos de gelo das altitudes, causando a elevação do nível dos mares.
Figura 2: Bento Rodrigues, Mariana, Minas Gerais, após o rompimento da barragem da Samarco (19/11/2015). Foto: Rogério Alves, TV Senado (CC BY 2.0).
A elevação e descida do nível dos mares é também um processo natural. Entre meados do Cretáceo e hoje, o nível do mar desceu pelo menos 200 metros! Mas isso ocorreu em mais de 90 Ma! Mesmo as variações do nível do mar durante o Pleistoceno (2,58 a 0,012 Ma), ou seja, em tempo bastante “próximos” dos dias atuais, ocorreram ao longo de milhares de anos! No último deles, o nível do mar estava 130 m mais baixo do que o nível atual. Estas variações, relacionadas a eventos glaciais, ocorreram ao longo de 100000 anos, e vários outros eventos semelhantes associados ocorreram ao longo de 40000 anos. Mesmo se fôssemos imaginar que algum componente da megafauna do pleistoceno, p. ex., um mastodonte, vivesse próximo à costa durante esses eventos, ele teria tempo mais do que suficiente para se retirar da área, pois o evento, para ocorrer, levou muito mais tempo do que a vida do próprio animal. E o que vemos hoje? O homem ocupa as faixas costeiras, faz edificações em áreas naturalmente associadas à dinâmica marinha, e reclama quando o mar destrói estas construções. Não é o mar que está no lugar errado…
Mas, brincadeiras à parte, a ação humana é muito mais drástica do que essas meras “construções-no-lugar-errado”. Vamos a um exemplo bem conhecido. O mar de Aral, situado entre o Cazaquistão e o Uzbequistão, já foi o quarto maior lago do planeta. A retirada de água do lago, para irrigação já ocorria desde o início do séc. 20. O processo de encolhimento do lago foi acelerado na década de 1960, quando o governo soviético decidiu desviar dois importantes rios que abasteciam o lago para irrigar plantações de algodão. Entre 1970 e 2000, sua profundidade foi reduzida em cerca de 20 m, perdendo 90% da sua área original, sua salinidade aumentou em mais de cinco vezes, e hoje é representando por três pequenos lagos bem menores, desconectados, em processo contínuo de desertificação (Figura 3). Praticamente toda sua flora e fauna foi dizimada. Os impactos maiores são obviamente ambientais, mas ligam-se a impactos econômicos e outros ligados diretamente aos humanos, que necessitam de água como fundamental para sobrevivência na região.
Figura 3: Neste vídeo observam-se as modificações no mar de Aral ocorridas entre 2000 e 2018. Em 2000, o volume do lago já era bastante menor que o existente em 1960, mas diminuiu ainda mais nas décadas seguintes. Fonte: Shrinking Aral Sea 2000-2018.webm. Imagens do NASA Earth Observatory; animação: Dexxor, 2020.
Não faltariam exemplos aqui. A vida na Terra poderia sofrer danos significativos no futuro, por processos que ocorram naturalmente, de características imprevisíveis, mas esses são fenômenos naturais. Não à toa se monitora a atividade de vulcões ativos e daqueles que podem se tornar potencialmente ativos. Acompanha-se a ocorrência de atividade sísmica de quaisquer magnitudes em laboratórios sismológicos espalhados por vários lugares do mundo. Chegamos a um nível de avanço tecnológico em que até mesmo as agências espaciais ao redor do mundo desenvolvem projetos de monitoramento de “near-Earth objects, ou NEO”, como são chamados os objetos relativamente próximos à Terra que tenham um potencial de destruição catastrófica. A questão é que o perigo pode não vir de fora. É o que chamamos de “fogo amigo”.
A hidrosfera compreende toda a água sobre a superfície terrestre, bem como aquela imediatamente abaixo, que compõe o lençol freático e as águas subterrâneas, e a água existente na atmosfera sob a forma de vapor d’água, pequenas gotículas ou minúsculos cristais de gelo. Assim, fazem parte da hidrosfera os oceanos, mares, rios, riachos, lagos, lagoas, neve, gelo e tudo o mais que apresenta a molécula H2O em sua forma livre, independente do estado físico.
Quase 70% da superfície do planeta Terra é ocupada pela água, sendo os oceanos o maior componente, com quase 97% do total (Figura 1). Este é um dado importante – a maior parte da água existente na hidrosfera é salgada, ou seja, dispomos, de forma natural, de menos de 3% de água doce. Destes 3%, 68,9% compõem as coberturas de gelo das calotas polares e das geleiras das altas altitudes e latitudes, 29,9% estão representadas pelas águas subterrâneas, e 0,9% representa a umidade em solos, pântanos e permafrost (solo que permanece continuamente congelado). Resta-nos, então, apenas 0,3% da água doce na Terra de forma facilmente acessível, seja como rios, seja como lagos. Assim, quando usamos (e desperdiçamos) a água no nosso dia-a-dia, não nos damos conta de que estamos usando algo tão limitado, mas tão essencial para a nossa existência no planeta.
Figura 1: Distribuição global dos recursos hídricos. Fonte: World water resources – UNESCO (Shiklomanov, 1998).
O uso racional da água é um tema tão crucial que a UNESCO possui um comitê criado especialmente para tratar do assunto – o “Programa hidrológico intergovernamental” (Intergovernmental Hydrological Programme – IHP), criado em 1975.
A água, em nosso planeta, está em constante movimento. Não apenas pelo movimento dos rios ou dos mares, mas pelos vários processos físico-químicos de evaporação, condensação, sublimação e precipitação, além dos processos de escoamento e infiltração. O conjunto desses fenômenos compõe o que denominamos de “ciclo da água”. Supõe-se que a hidrosfera componha um “sistema fechado”, ou seja, não há transferência de matéria para dentro ou fora do sistema. Isso implicaria em que a água da qual dispomos é a mesma que esteve à disposição do planeta desde a sua criação. Poluímos a água, destruímos as nascentes dos cursos d’água pelo desmatamento, desperdiçamos a água, fazemos um mal-uso desse recurso que parece grandioso em volume, mas que é muito, muito limitado.
Como pudemos ver no texto “A origem da vida”, as hipóteses mais prováveis sugerem que a vida teria surgido em meios aquosos. A água é fundamental para a existência dos seres vivos. Sem ela, morremos. As primeiras formas unicelulares ocorreram em meios aquosos. A vida multicelular também. Foi apenas após alguns organismos adquirirem a capacidade de serem compostos por várias células, que, com a evolução e adequação de tipos e conjuntos de células para desempenharem diferentes tarefas necessárias ao seu metabolismo, estes organismos puderam se “arriscar” a sobreviver fora da água. Primeiro habitaram as regiões adjacente aos cursos d’água e seus reservatórios. Depois, à medida em que suas estruturas se aprimoravam, puderam afastar-se paulatinamente cada vez mais para o interior das massas continentais, conquistando os mais diversos habitats.
Mas, afinal, porque ela seria tão importante para a vida? Para isso precisamos entender um pouco da química da água. Além de ocorrer em grande quantidade, nenhum processo metabólico ocorre sem a participação da água em alguma de suas etapas. E a água é uma molécula com propriedades muito especiais! Pequena, é formada por duas ligações covalentes entre o Oxigênio e o Hidrogênio, tendo a fórmula estrutural H – O – H. A ligação covalente ocorre pelo compartilhamento de pares de elétrons entre átomos. Como o oxigênio é mais eletronegativo que o hidrogênio, o núcleo do oxigênio atrai os elétrons mais fortemente que o núcleo do hidrogênio: isso faz com que o oxigênio seja mais negativo por ter os elétrons mais próximos, enquanto o hidrogênio é mais positivo por ter os elétrons mais afastados. Essa diferença torna a molécula de água uma molécula polar: uma molécula é polar quando os átomos que a constituem apresentam eletronegatividades diferentes. Dessa forma, o polo positivo de uma molécula atrai o polo negativo de outra molécula, formando pontes de hidrogênio por um processo chamado de atração eletrostática. Essas pontes são pouco estáveis e se formam e se quebram muito rapidamente, fazendo que as moléculas de água realizem muitas interações entre elas. Essas interações são responsáveis pelos estados físicos da água e são causadoras, por exemplo, dos fenômenos de capilaridade que fazem a água subir, contra a gravidade, pelo tronco de uma planta. Quando a água está no estado líquido faz aproximadamente três ligações de hidrogênio; em estado sólido pode fazer pontes de hidrogênio com até quatro outras moléculas. Pontes de hidrogênio também ocorrem nas ligações entre as bases nitrogenadas das duas fitas complementares da molécula do DNA.
A parte carregada da molécula de um soluto polar atrai eletricamente um dos polos da molécula de água e dessa forma fica envolto pela água, misturando-se homogeneamente a ela. Já um soluto apolar não apresenta regiões que possam interagir com a molécula de água, e vai se formar uma solução heterogênea, como quando algum óleo é misturado à água (figura 2). Isso ocorre pois como a água não faz ligações de hidrogênio com moléculas apolares, as moléculas de água acabam se dispondo ao redor da substância apolar para que possam fazer o máximo de pontes de hidrogênio possíveis, mantendo a substância apolar no centro. Para manter a energia do sistema estável as moléculas de água acabam levando as substâncias apolares a se agruparem. Diminuindo a superfície de contato entre substância apolar e água, diminuem as pontes de hidrogênio, diminuindo o gasto energético do sistema.
Figura 2: O óleo, apolar, não consegue fazer ligações com as moléculas de água, e essas moléculas de água acabam fazendo o máximo de pontes de hidrogênio ao redor do óleo. Foto: Rosana Souza-Lima, 2021.
A polaridade é importante para manter a estrutura de todas as células, entre outras funções, pois as membranas celulares são formadas por fosfolipídeos que apresentam uma porção polar voltada para a água e uma apolar que fica longe da água. A estrutura de uma proteína também pode ser influenciada por sua polaridade, mantendo os aminoácidos polares ligados à água e os apolares “guardados” na parte de dentro da molécula proteica.
Outro efeito dessa polaridade é que a molécula da água atrai íons mais fortemente do que um íon consegue atrair outro, porque a molécula de água tem uma alta constante dielétrica. A constante dielétrica é a capacidade do solvente, nesse caso a água, de mascarar a intensidade do campo elétrico de qualquer partícula carregada que esteja imersa nela. Como a constante dielétrica da água é grande, os compostos iônicos ficam dissociados em uma solução aquosa porque um íon não consegue atrair outro com tanta força como a água atrai ambos. Isso faz com que a água seja um bom solvente e é fundamental para o metabolismo dos seres vivos, que na maior parte das suas células e órgãos têm íons em solução aquosa. Tendo facilidade para dissolver substâncias polares e iônicas, como sais e açúcares, a água facilita a interação química entre essas substâncias. A partícula iônica fica tão completamente cercada por água que essa camada externa de água, chamada camada de hidratação, passa a fazer parte do íon, aumentando seu tamanho. Um dos compostos mais importantes para os seres vivos é o NaCl, cloreto de sódio, que ficam dissociados e imersos na camada de hidratação quando estão em solução aquosa. Associada à polaridade, a condutividade da água também está relacionada a sua salinidade: quanto maior a quantidade de íons dissolvidos, maior será a condutividade elétrica na água. Isso é importante para os seres vivos porque todos nós funcionamos na base de troca de íons, o que, em alguns casos, pode ser afetado pela condutividade do meio.
Em qualquer massa grande de água, como em um riacho ou no oceano, podemos dizer que há moléculas mais internas e as mais externas. As moléculas da parte interna formam pontes de hidrogênio entre si e a força total resultante sobre cada molécula é nula. Já as moléculas da superfície da água estão em contato, por um lado, com outras moléculas de água, e pelo outro com moléculas dos gases que ocorrem no ar. Assim, haverá uma fraca atração das moléculas de água pelas moléculas dos gases, resultando na formação de uma fina membrana sobre a água, que dificulta a penetração dos gases e de outras pequenas partículas, formando uma área de tensão superficial. Alguns organismos leves conseguem, assim, ficar sobre a água, apoiados nessa barreira (figura 3).
Figura 3: A tensão superficial permite que pequenos animais caminhem sobre a água. Nessas fotos, insetos em remanso no rio Guapiaçu, Cachoeiras de Macacu, RJ. Fotos: Rosana Souza-Lima, 2019.
A tensão superficial da água diminui à medida que a temperatura aumenta, e também depende da quantidade de substâncias orgânicas dissolvidas: corpos d’água eutrofizados (com intensa proliferação de algas) ou com muitas macrófitas aquáticas, podem ter menor tensão superficial. A poluição por esgotos domésticos, ricos em saponáceos e detergentes também podem afetar essa tensão. Veja nas embalagens desses produtos o aviso: “Contém substâncias tensoativas”.
No estado líquido a água possui maior densidade do que no estado sólido, e dessa forma o gelo flutua. Isso é muito importante para a vida dos organismos aquáticos das regiões mais frias do planeta. Flutuando sobre a água, o gelo funciona como um isolante térmico que mantém a água abaixo dele em estado líquido, permitindo a vida de muitos seres, mesmo em regiões sujeitas a congelamento superficial da água. A temperatura está relacionada à agitação de qualquer molécula: o calor aumenta e o frio diminui a agitação das moléculas. Com o clima frio, aumentam o número de pontes de hidrogênio, diminuindo a distância média entre as moléculas de água, que assim fica mais densa. Devido ao arranjo entre os átomos de oxigênio e hidrogênio a compactação da água é máxima a 4°C (maior densidade) e mínima à temperatura igual ou menor que 0°C (menor densidade). Dessa forma, a água com temperatura menor ou maior que 4°C é mais leve do que a esta temperatura. A densidade também é influenciada pela salinidade da água: quanto mais salgada, maior a densidade. Podemos testar isso facilmente percebendo que é mais fácil boiar no mar do que na piscina.
Outra característica da água é que seu calor específico é alto: dessa forma, a água pode absorver grandes quantidades de calor sem sofrer grandes alterações de sua temperatura. Quando uma panela com água é colocada no fogão, por exemplo, primeiro o bocal de chama do fogão se esquenta, depois a panela, e por fim, a água é aquecida. Essa propriedade da água garante boa estabilidade térmica dos ecossistemas aquáticos. A temperatura dos corpos de água, como rios e mares, varia pouco no espaço de um dia, ou até mesmo entre as estações, enquanto o ar pode apresentar grandes variações de temperatura diárias. Cada ser vivo funciona melhor a uma dada faixa de temperatura, e essa estabilidade é uma proteção importante para o metabolismo dos organismos aquáticos que, em muitos casos, são ectotermos, precisando de uma fonte externa de calor para manterem sua própria temperatura, e são também heterotermos: têm sua temperatura corporal dependente da temperatura do ambiente em que vivem. Por demorar a se aquecer, a água também tem um alto calor de vaporização: assim, os rios e mares absorvem muito calor da energia solar que chega à superfície da Terra para evaporar e formar as nuvens, e isso ajuda a regular a temperatura do planeta. Por isso é tão gostoso tomar um banho de mar ou de piscina em um dia quente: a água “rouba” calor do nosso corpo, nos mantendo mais frescos.
Você já deve ter percebido que é muito mais fácil andar na terra do que dentro da água. A viscosidade da água varia em função da temperatura e da salinidade, e é o que determina a resistência oferecida pela água ao movimento dos seres vivos e de partículas dissolvidas. A viscosidade aumenta com a diminuição da temperatura e diminui quando a temperatura aumenta: isso é importante para determinar o quanto de energia um organismo gasta para se manter na água. Mais um fator que influencia nessa localização dentro do ambiente é a pressão: quanto mais profundo o ambiente aquático, maior é a pressão a que está submetido. Subir à superfície depois de ter mergulhado a grandes profundidades precisa ser feito muito lentamente, para que os órgãos corporais cheios de gases, como pulmões de baleias, golfinhos e leões marinhos ou a bexiga natatória de peixes, por exemplo, que foram muito comprimidas à medida que afundaram, possam se expandir aos poucos, com a diminuição da pressão. Se a subida for muito rápida a rápida descompressão dos órgãos internos pode danificá-los e provocar a morte desses animais.
Será que você já tinha se dado conta de quantas características especiais essa molécula apresenta? Não é a toa que é uma das substâncias mais importantes para nossa vida nesse planeta. Vamos cuidar das nossas fontes de água!
Os principais eventos na história da vida na
Terra
Por Wagner Souza-Lima
Para um planeta tão antigo como a Terra, foram vários os eventos que nela ocorreram desde sua origem até os nossos dias. Estes eventos, sucessivamente, causaram modificações no planeta que o guiaram a um caminho sem volta na sua história evolutiva. Se hoje a Terra se apresenta conforme a conhecemos, foi resultado dessa história, que poderia ter se encaminhado por diferentes caminhos alternativos, inclusive sem a presença do homem. O futuro do planeta segue seu caminho, mas nossas ações podem afetar completamente essa história. Pense nisso! Mas vamos entender um pouco a história do planeta que nos abriga seguindo uma linha do tempo.
De acordo com um modelo teórico denominando “hipótese nebular”, a formação do Sistema Solar (e de outros sistemas planetários) teria ocorrido há 4,6 bilhões de anos (Ga) quando gás e partículas de poeira coalesceram pelo colapso de nuvens moleculares gigantescas, ricas em hidrogênio, formando os corpos celestes. A maior parte desta matéria foi atraída para o centro do conjunto, formando o sol, ao passo que o restante deu origem aos discos protoplanetários.
4,6 Ga - Hadeano
O Hadeano (4,6? Ga – 4 Ga) é o “éon” mais antigo da história da Terra. Qualquer reconstrução, como a da imagem, é meramente especulativa. De qualquer modo, o planeta seria bastante inóspito, com uma atmosfera constituída provavelmente por vapor d’água, nitrogênio e CO2, com proporções menores de monóxido de carbono, hidrogênio e gases de enxofre. Reconstrução artística de Tim Bertelink (commons.wikimedia.org/wiki/File:Hadean.png; CC BY-NC 4.0)
(Ga = giga-annum, sendo a abreviatura correspondente a "bilhões de anos")
4,4 Ga - A crosta se diferencia e surgem os oceanos!
Os oceanos, ainda muito diferentes dos atuais, teriam surgido “apenas” cerca de 200 milhões de anos (Ma) após a formação da Terra. As temperaturas seriam ainda muito altas, e o ambiente muito redutor. O acentuado teor de CO2 na atmosfera provavelmente os tornava ligeiramente ácidos.
Na foto, rochas do cinturão móvel de Nuvvuagittuq , Quebéc, Canadá, que teriam sido formadas nesta época (Fonte: Ministère de l’Énergie et des Ressources naturelles, Nuvvuagittuq Belt. Quebec Stratigraphic Lexicon).
4,28 - 3,77 Ga - Surge a vida?
Algumas feições encontradas em rochas da Província do Québec, no Canadá, foram interpretadas como fósseis de bactérias hipertermofíilicas (organismos que suportam ambientes com temperaturas superiores a 60°C) e alguns organismos termoacidófilos (aqueles que suportam altas temperaturas e baixos pH, como algumas bactérias e representantes do domínio Archaea). Estes seriam organismos que provavelmente representam as formas mais primitivas de vida até hoje conhecidas no planeta (Fonte: Dodd et al., 2017).
4,0 - 2,5 Ga - Arqueano
O Arqueano é o segundo éon da história da Terra. Quanto mais "descemos no tempo", mais difícil é reconstruir a paleogeografia do planeta e entender como os vários eventos aconteceram.
Esta imagem mostra uma proposta de como seriam os "continentes" - isso se baseia no que restou de rochas dessa idade na superfície da Terra (Fonte: Liu et al., 2021). No Brasil temos representantes de rochas dessa idade no "cráton do São Francisco", que afloram, p. ex., em Salvador e Belo Horizonte.
3,5 Ga - Surgem as cianobactérias!
No Arqueano tornam-se comuns estruturas atribuídas à ação de cianobactérias filamentosas, que trapeiam sedimentos entre os filamentos orgânicos, formando estruturas denominadas de “tapetes microbiais”, estromatólitos ou trombolitos, conforme suas geometrias e características internas. Os registros mais antigos conhecidos datam de cerca de 3.5 Ga, tendo sido encontrados na Austrália. Estas construções predominam como formas da vida ao longo de todo o Pré-Cambriano, declinando no Paleozoico provavelmente pelo surgimento de metazoários pastadores, como alguns moluscos.
2.45 - 1.85 Ga - A oxigenação da atmosfera e dos oceanos
Interpreta-se que as formações ferríferas bandadas (foto), que correspondem a mais de 60% das reservas globais de ferro, tenham sido formadas pelos eventos que causaram a oxigenação da atmosfera e dos oceanos. Isto deve-se ao fato de que foram formadas apenas entre o final do Arqueano e início do Proterozoico.
Supõe-se que seriam originadas pela reação entre águas anóxicas (redutoras, pobres em oxigênio), ricas em ferro, ascendentes das regiões mais profundas dos oceanos para a superfície, onde haveria oxigênio sintetizado por cianobactérias. O oxigênio então reagiria com o ferro, precipitando óxidos de ferro. O bandamento seria resultado das flutuações na população das cianobactérias decorrente de danos aos radicais livres por excesso de oxigênio e déficit de ferro a ser oxidado. A formação destes depósitos teria cessado no tempo geológico pela escassez de ferro em solução nos oceanos e abundância de oxigênio.
Foto: Graeme Churchard, 2013 (CC BY 2.0).
2,5 Ga - 541 Ma - Proterozóico
Embora o Proterozóico seja o mais longo éon na escala do tempo geológico (quase 2 Ga!) os registros fósseis conhecidos são, de certo modo, monótonos, sendo dominado pelas construções de cianobactérias, principalmente os estromatólitos. Contudo, novas formas de vida surgiam, e talvez muitos registros tenham sido perdidos ao longo da contínua movimentação das placas continentais, como se vê na reconstrução acima (Pesonen et al., 2012). Um grupo talvez polifilético de organismos microscópicos, os acritarcas, se diversificou no início do Proterozóico, bem como formas ancestrais do que hoje chamamos de fungos.
2 - 1,6 Ga - Surgem os eucariotas!
O aparecimento dos eucariotas (organismos cujas células possuem um núcleo envolto por uma membrana) foi um novo marco na evolução dos seres vivos. O momento e como ocorreu esta transformação é ainda incerto, mas estima-se entre 2 e 1,6 Ga atrás. A imagem ilustra alguns desses organismos encontrados em vários pontos do planeta (Knoll et al., 2006).
2,2 - 2,1 GA - Os primeiros multicelulares
Outro grande passo foi o surgimento dos organismos multicelulares. Entre 2,2 e 2,1 Ga, surgiram, em alguns pontos do planeta, seres que representariam as formas mais primitivas desses organismos. Grypania (A; Han & Runnegar, 1992), encontrada em Michigan, EUA, foi interpretada como uma alga eucariota. Diskagma (B; Retallack et al., 2013), interpretada como um possível fungo, foi encontrada em paleossolos da África do Sul. Já no Gabão, uma biota mais diversificada, denominada de “francevilleana” (C, D; El Albani et al., 2014), apresenta várias formas de afinidades desconhecidas.
O fato da idade desses achados antecederem aquela estimada para os primeiros eucariotas já é indicador que estes últimos surgiram há mais tempo que 2,2 Ga.
Nem todos os grupos desenvolveram a capacidade de ser constituído por muitas células. Porém, aqueles que alcançaram este patamar puderam avançar mais passos na etapa evolutiva, desenvolvendo estruturas mais especializadas e formas mais complexas. Isso foi possível porque as novas células que compunham cada um desses organismos poderiam desempenhar tarefas diferentes, adquirindo especializações que os ajudavam a suportar condições cada vez mais variadas. Isso resultou no desenvolvimento dos órgãos e na diferenciação dos tecidos nos organismos multicelulares.
750 - 633 Ma - A ruptura de Rodínia
Formada em torno de 2 Ga atrás, a ruptura de Rodínia, a partir de 750 Ma, causou a migração das diferentes placas para o sul, que culminaria na formação de um novo grande continente, Panotia (que significa “todas as terras para o sul”). Durante o período Criogeniano (o penúltimo do Proterozóico, 720 – 635 Ma), a Terra esteve submetida as mais baixas temperaturas de toda sua história, tendo sua superfície quase que totalmente congelada (a hipótese da “Terra bola de neve, snowball Earth”). Esta figura mostra uma reconstrução de Rodínia no início da sua ruptura (Scotese, 2009). Interessante notar que o Cráton do São Francisco, que engloba, p. ex., a região de Salvador a Belo Horizonte, formava outro continente, nela denominado “Congo”. Já a região da Amazônia compunha Rodínia Sul.
635 - 541 Ma - o Ediacariano
Passada a monotonia do Criogeniano, há cerca de 600 Ma, poucos milhões de anos antes do término do Proterozóico, um desenvolvimento inesperado de formas de vidas multicelulares ocorreu. Em 1946, nas colinas Ediacara, no sul da Austrália, foi descoberta uma fauna de organismos multicelulares semelhantes às medusas atuais, mas apenas 10 anos depois a comunidade científica se convenceu de que realmente correspondiam a rochas proterozoicas. Essas formas, reunidas no que ficou conhecido como a “fauna de Ediacara”, diferem das anteriores pela estrutura multicelular, dimensões centimétricas, e uma variada morfologia. Atualmente faunas desse tipo foram reconhecidas em várias localidades por todo o planeta e representa a diversidade da vida ao final do Proterozóico. Apesar dessa riqueza, esta fauna desapareceu completamente antes de acontecer outro importante evento na história dos seres vivos e que viria logo depois, a grande explosão cambriana da vida.
O Cambriano é o primeiro período da era Paleozoica. Seu início marca um dos mais espetaculares momentos na história da vida, o evento denominado de “explosão cambriana”. As causas dessa diversificação são ainda discutidas, envolvendo, principalmente, aspectos ambientais, genéticos e ecológicos.
Os primeiros fósseis descobertos em rochas cambrianas foram os trilobitas, um grupo de artrópodos marinhos que se desenvolveu tão bem durante esse período que o Cambriano é por vezes denominado “a idade dos trilobitas. Outros artrópodos também ocorriam nos oceanos, mas o esqueleto quitinoso de alguns deles não facilitou sua preservação, como ocorreria com a carapaça reforçada dos trilobitas. Dentre os vários novos grupos, destacam-se os moluscos, os braquiópodos, equinodermas muito primitivos e os crustáceos (também um artrópodo).
A figura mostra uma reconstrução da posição dos continentes no início do Cambriano (Scotese, 2017). O que hoje é a América do Sul está ao sudeste.
541 Ma - A explosão cambriana da vida marinha
A explosão da vida cambriana ocorreu em vários pontos do planeta, porém um dos achados mais espetaculares e importantes ocorre nos folhelhos Burgess (Burgess Shale), que ocorrem nas Montanhas Rochosas, Colúmbia Britânica, Canadá. Estas rochas são mundialmente reconhecidas pela excepcional preservação de tecidos moles. Datadas de meados do Cambriano, parte significativa da fauna é composta por artrópodos, seguidos pelas esponjas. Contudo muitos dos representantes apresentam características pouco usuais, tornando a classificação por vezes difícil, tendo gerado também muita controvérsia no meio científico.
O Ordoviciano sucedeu o Cambriano, estendendo-se por cerca de 42 Ma. Neste período, muitos continentes já estavam agrupados, mais ao sul, formando o Gondwana – no final do período ocorreram glaciações na região da Amazônia e no Paraná. Já Laurentia, Baltica e Sibéria estavam numa posição mais equatorial, o que permitiu o florescimento de uma rica fauna marinha às suas margens, em águas mais quentes.
A figura mostra uma reconstrução da posição dos continentes no início do Ordoviciano (Scotese, 2017).
485 - 460 Ma - O grande evento de diversificação do Ordoviciano
No Ordoviciano os invertebrados marinhos apresentaram uma grande diversificação, principalmente os moluscos e os artrópodos. Os cefalópodos, um grupo de moluscos, dominaram os mares, e os graptólitos, uma classe extinta de invertebrados, tornaram-se abundantes. Peixes muito primitivos, que surgiram no Cambriano, evoluíram, surgindo os primeiros peixes com mandíbulas, os Gnathostomata. E, um passo adiante na história da vida, surgem as primeiras plantas terrestres - musgos e briófitas. Esta grande diversificação marca um importante evento na história do planeta, denominado de “grande evento de diversificação ordoviciana”. Neste período surgiram os briozoários, um dos poucos filos de invertebrados marinhos secretores de esqueletos mineralizados que não surgiu na “explosão cambriana”.
Apesar de todo esse avanço no desenvolvimento biológico, o final do Ordoviciano é marcado pelo segundo maior evento de extinção da história da Terra, desaparecendo cerca de 85% das espécies marinhas. Supõe-se que o fenômeno tenha sido decorrente das grandes glaciações que afetaram o Gondwana ao sul, que causou uma acentuada queda no nível dos mares, dizimando as espécies que viviam principalmente nas regiões mais rasas dos oceanos.
O Siluriano se estendeu por cerca de 25 Ma, sendo o período mais curto do Paleozoico. Durante este período, o Gondwana continuou sua lenta movimentação para o sul, porém os eventos glaciais foram reduzidos. Como as temperaturas permaneceram mais estáveis e quentes, a vida se desenvolveu plenamente nos mares rasos.
Na figura, reconstrução paleogeográfica para o início do Siluriano - 440 Ma (Scotese, 2017).
A vida no Siluriano
Após a grande extinção do final do Ordoviciano, muitos invertebrados marinhos conseguiram se recuperar nos primeiros 5 Ma deste período. As temperaturas mais quentes, porém, amenas, colaboraram certamente com isso. Surgiram as primeiras plantas vasculares, muitas ainda minúsculas! Apareceram também os primeiros peixes ósseos (Osteichthyes), e os euripterídeos, um grande artrópodo marinho, conhecido como escorpiões-do-mar, dominaram os mares. Surgiram os primeiros animais adaptados totalmente às condições terrestres, como as centopéias e aranhas, porém sem acentuada diversificação.
Na figura, A) Eurypterus remipes DeKay, 1825 (YPM 211408), um euripterídeo comum nos mares silurianos da região de Nova York, EUA (Tetlie et al., 2007); B) Fósseis silurianos do rio Trombetas, bacia do Amazonas (Clarke, 1899).
419,2 - 358,9 Ma - O Devoniano
O Devoniano foi um período com duração aproximada de 60 Ma. No final deste período, o Pangea estava praticamente consolidado, com o fechamento do Mar Rheico, situado entre o NW da África e a costa leste da América do Norte, o que ocasionaria a criação dos Apalaches e da cadeia Caledoniana. O Gondwana estava migrando lentamente para norte, em direção à região equatorial. Um enorme oceano, o Pantalassa, ocupava o restante do planeta. Com clima quente predominante, apresentava altas temperaturas no interior das grandes massas continentais, mas temperaturas mais amenas no litoral, o que favoreceu o desenvolvimento da fauna marinha.
Na figura, reconstrução paleogeográfica do final do Devoniano - 380 Ma (Scotese, 2017).
O Devoniano - a idade dos peixes
Durante o Devoniano ocorreu uma significativa expansão das formas de vida dos ambientes aquáticos para os terrestres - as plantas vasculares cobriram muitas áreas continentais formando expressivas “florestas” em miniatura. O avanço da vegetação sobre os ambientes terrestres permitiu a estabilização dos solos, o que favoreceu o avanço dos animais para esses ambientes, como aracnídeos e miriápodes. As primeiras formas ancestrais dos anfíbios surgiram ao final do Devoniano.
Nos ambientes aquáticos, os peixes alcançaram grande diversificação, de modo que o Devoniano é conhecido como a “idade dos peixes” Os placodermes, uma classe de peixes que surgiu no Siluriano, cujo corpo é, em parte, coberto por uma armadura de placas dérmicas, dominaram os mares. Surgiram os primeiros ancestrais dos tetrápodas e os primeiros amonóides, moluscos marinhos em geral com interessantes conchas espiraladas. Nas construções recifais destacaram-se, além das cianobactérias, os estromatoporóides (um tipo de esponja marinha) e os corais das ordens Tabulata e Rugosa.
O Carbonífero foi um período que se estendeu por cerca de 60 Ma. Seu nome deriva do latim carbo (carvão), e reflete a abundância desse recurso mineral em rochas dessa idade. Isso pressupõe a existência de extensas florestas que se desenvolveram em clima ameno a quente – o que realmente aconteceu no hemisfério norte, mas não no sul. Nesse período ocorreu a formação do grande continente denominado Pangea, contudo sua porção mais ao sul, o Gondwana, manteve-se sob condições muito frias, com intensa glaciação, o que não favoreceu a formação dos depósitos de carvão.
Na figura, reconstrução paleogeográfica do início do Carbonífero - 340 Ma (Scotese, 2017).
Fauna e Flora no Carbonífero
A vegetação do Carbonífero se destaca pelo desenvolvimento de tecido lenhoso, rico em lignina, e do súber ou felema, a “casca” das plantas lenhosas, que oferece maior rigidez e estabilidade, além de proteção mecânica e impermeabilizante aos vegetais. Algumas plantas podiam atingir mais de 30 m de altura e diâmetro superior a 1,5 m.
A diversidade marinha foi grande entre os invertebrados. Entre os equinodermas, os crinoides constituem o grupo mais numeroso, ocorrendo também equinóides e blastóides. Os trilobitas mostram uma tendência de declínio, estando representados apenas por uma ordem. Entre os moluscos, os biválvios começam a crescer em número e em diversidade na biota marinha, sendo os gastrópodos e amonóides também numerosos. Como construtores recifais destacam-se ainda os corais rugosos e tabulados, além dos conulariídeos (um grupo com supostas afinidades com os cnidários). Os foraminíferos, organismos unicelulares com carapaça, ganham destaque na fauna marinha.
Dentre os peixes, predominam os elasmobrânquios (p. ex., tubarões) nos ambientes marinhos, provavelmente devido ao declínio dos placodermes. Alguns sarcopterígeos de água doce alcançaram grandes proporções, chegando a 7 m de comprimento!
Nos ambientes terrestres, além dos miriápodes e aracnídeos, ocorreu uma grande variedade de insetos. O que chama a atenção é que esses organismos, além de numerosos, poderiam adquirir grandes proporções, como foi o caso da Meganeura, um gênero de inseto semelhante às atuais libélulas, mas que podiam apresentar 75 cm de envergadura! No final do Carbonífero surgiram os Dictyoptera basais, ancestrais das atuais baratas. Os anfíbios foram os vertebrados dominantes nestes ambientes, com tamanho variando de poucos centímetros (como representantes da subclasse Lepospondyli) a alguns metros, como alguns representantes da subclasse Labyrinthodontia.
Na figura, alguns fósseis do Carbonífero - A) Pygocephalus, um crustáceo, Nova Scotia, Canadá (Calder, 1998); B) Adiantites, uma Ginkgoopsida, Nova Scotia, Canada (Joggins Fossil Cliffs); Anthracospirifer oliverirai, um braquiópodo, Itaituba, Brasil (Chen et al., 2005) e Favosites, um coral, Polônia (Zapalski et al., 2016).
298,9 - 251,9 - O Permiano
O Permiano, o último período da era paleozoica, estendeu-se por 47 Ma. Neste tempo o Pangea estava plenamente consolidado, margeado por um lado, pelo grande oceano, o Panthalassa, e pelo outro, pelo oceano Paleo-Tethys. Essa imensa massa continental reunida em um único bloco fazia com que as condições mais internas ao continente fossem muito mais secas e áridas do que em suas margens. Assim, enquanto condições mais frias, até polares, ainda ocorriam ao sul do Gondwana, grande parte do Pangea era dominada por clima desértico. O clima mais seco favoreceu o desenvolvimento e expansão das gimnospermas, que, por terem suas sementes protegidas, suportavam mais o clima seco, ao contrário das pteridófitas, briófitas e licopodiófitas, que necessitavam de umidade para a dispersão dos esporos. Surgem então as coníferas, os ginkgos e as Glossopteridales (que constituem uma importante flora dessa época no Gondwana – a flora de Glossopteris).
Na figura, reconstrução paleogeográfica do início do Permiano - 280 Ma (Scotese, 2017).
Fauna e flora do Permiano
No Permiano ocorreu a diversificação de dois grupos de amniotas, os sinapsídeos (um grupo de animais que incluem os atuais mamíferos) e os sauropsídeos (inclui os répteis e as aves). Essa diversificação esteve relacionada às condições mais secas do planeta, visto que os amniotas poderiam melhor suportar estas condições do que os anfíbios, que foram o grupo predominante no Carbonífero.
O final do Permiano é marcado pelo maior evento de extinção em massa de toda a história do planeta, quando cerca de 80% da biota marinha e 70% das espécies de vertebrados terrestres sucumbiram. Foram extintos todos os euripterídeos (uma ordem de artrópodos conhecidos como “escorpiões-do-mar”), os trilobitas (que já vinham em declínio desde o Devoniano), os acantódios (uma classe de peixes também em declínio desde o Devoniano), os blastóides (um tipo de equinoderma) e quase a totalidade das espécies de braquiópodos, briozoários, antozoários, crinoides, amonóides, gastrópodos, foraminíferos e radiolários. Os insetos sofreram sua maior extinção ao longo de toda sua história. Em relação aos vertebrados, sucumbiram muitos grupos de anfíbios, sauropsídeos e sinapsídeos, neste último, os terapsídeos, em particular, que incluem os ancestrais dos atuais mamíferos. Os grupos de vertebrados de hábitos herbívoros foram os que sofreram as maiores perdas, provavelmente reflexo no impacto do evento sobre a vegetação. Em relação às plantas terrestres, o evento causou profundas modificações entre os grupos dominantes antes e depois do mesmo.
Na figura, alguns fósseis do Permiano do Brasil A) esponja, Mafra, SC, bacia do Paraná (Mouro et al., 2014); B) anfíbio (Temnospondyli, Dvinosauria), Timon, MA, bacia do Parnaíba (Cisneros et al., 2015); C) tronco de Psaronius, uma pteridófita, Igreja Nova, AL, bacia de Sergipe-Alagoas (Iannuzzi et al., 2002).
251,9 - 201,3 Ma - O Triássico
O Triássico é o primeiro período da era mesozoica, tendo se estendido por cerca de 50 Ma. Neste tempo, o Pangea ainda mantinha-se íntegro, porém movimentos tectônicos já estavam ocorrendo na região entre a América do Norte e o norte da África, que levariam à sua posterior ruptura. O Oceano Paleo-Tethys estava sendo progressivamente fechado pela movimentação das placas continentais, causando a expansão do Neo-Tethys. O clima mantinha-se ainda quente e seco, principalmente no interior do continente, e a ausência de registros de glaciações sugere que o clima mais ameno e localmente úmido favoreceu o desenvolvimento da vegetação, que se recuperava da crise do final do Permiano.
Na figura, reconstrução paleogeográfica do final do Triássico - 220 Ma (Scotese, 2017).
Fauna e flora do Triássico
No Triássico, a vegetação seria dominada por cicadófitas e ginkgófitas (com representantes até os nossos dias), com um acentuado desenvolvimento das coníferas e pteridófitas. Dicroidium, um gênero de fetos com sementes (Pteridospermatophyta), ocorria em grandes extensões do Pangea. Além dessas, ocorriam também plantas vasculares (licófitas).
Nos ambientes terrestres, os peixes pulmonados (dipnoicos) tornam-se abundantes. Temnospondyli, anfíbios primitivos que ocorriam desde o Carbonífero ainda eram abundantes, embora, de uma maneira geral, os ambientes terrestres estivessem sendo dominados pelos répteis. Os cinodontes, um grupo que engloba os mamíferos atuais, surgido no Permiano, desenvolveu-se bem no Triássico – Cynognathus, era um dos principais predadores no hemisfério sul durante meados do Triássico, papel realizado pelos Ecteniniidae no final do Triássico. Um fato marcante é o surgimento dos terópodos, os primeiros dinossauros, que atingiriam seu ápice de desenvolvimento e expansão no Jurássico. Surgem também as primeiras tartarugas. Os Lepidosauromorpha, que contém as serpentes e lagartos (Squamata) surgiram também ao final do Triássico.
Nos ambientes marinhos, alguns organismos recuperaram-se da grande extinção permiana com novas formas, como os corais e os amonóides. No final do período surgiram importantes répteis marinhos, como os plesiossauros e os ictiossauros.
Nesse período o céu é também conquistado – surgem os pterossauros, os famosos répteis voadores.
O final do período foi marcado por um evento de extinção, que afetou principalmente os organismos marinhos, desaparecendo os conodontes (pequenos vertebrados marinhos sem mandíbula), a maior parte dos répteis marinhos (exceto os plesiossauros e os ictiossauros), com queda significativa nas espécies de braquiópodos, gastrópodos e outros moluscos. Nos ambientes terrestres, este evento provavelmente auxiliou a expansão dos dinossauros, que dominariam estas áreas durante o Jurássico.
Na figura, alguns exemplos de fósseis do Triássico brasileiro: A) Dicroidium zuberi, uma Pteridospermatophyta, Santa Maria, RS, bacia do Paraná (Da Rosa et al., 2009); B, C) Crânio de Teyujagua paradoxa e Prestosuchus sp., Archosauromorpha, Santa Maria, RS, bacia do Paraná (Schultz et al., 2020).
201,3 - 145 Ma - O Jurássico
O Jurássico é o segundo período da era mesozoica. No início do Jurássico o Pangea começou a separar-se em dois grandes blocos continentais, a Laurásia, ao norte, e o Gondwana, ao sul. O clima permaneceu quente, sem registro de calotas de gelo nos polos.
Na figura, reconstrução paleogeográfica do final do Jurássico - 160 Ma (Scotese, 2017).
Fauna e flora no Jurássico
A flora jurássica foi essencialmente dominada pelas coníferas, que formavam densas florestas nas regiões mais temperadas. Nas regiões mais áridas, costeiras, abundaram coníferas arbustivas da família Cheirolepidiaceae. Ao final do Jurássico surgiram as formas ancestrais dos atuais pinheiros. As Ginkgoales tornaram-se mais diversificadas, e as Cycadaceae atingiram seu ápice. Muitas das famílias atuais de pteridófitas se diversificaram.
Nos ambientes terrestres, a fauna já está bastante diversificada, com vários grupos de répteis. Os crocodilomorfos avançaram para novos nichos ecológicos, sendo alguns, inclusive, adaptados ambientes marinhos. As tartarugas, os rincocéfalos, os ictiossauros e os plesiossauros apresentaram ampla distribuição, adquirindo suas maiores diversidades morfológicas, e os pterossauros tornam-se senhores dos céus. Mas nenhum outro grupo de vertebrados representa melhor o Jurássico do que os dinossauros. Com a extinção de vários grupos de arcosauromorfos (um grupo de répteis que inclui os lagartos e as serpentes) e terápsidas (um clado que inclui os mamíferos) no final do Triássico, os dinossauros tiveram melhores oportunidades de conquistar os ambientes terrestres. No início do Jurássico predominou uma fauna de Coelophysoidea carnívoros e sauropodomorfos herbívoros, depois destacaram-se os ceratossauros, megalossauroídeos e alossauroídeos como carnívoros e os estegossaurídeos e os grandes saurópodos herbívoros.
Um outro evento de destaque foi o surgimento das formas transicionais entre os dinossauros e as aves, sendo o exemplo mais famoso o gênero Archaeopteryx. Entre os anfíbios, surgiu o grupo que engloba os grupos modernos, os lissanfíbios. Os mamíferos, cujas origens remontam ao final do Triássico, se diversificam. Os peixes sarcopterígeos expandem-se em ambos os hemisférios, porém os actinopterígeos constituem os principais representantes das faunas de água doce e marinhas. Tubarões hibodontídeos ocorriam em ambientes de água doce ou marinhos, declinando nos ambientes marinhos no final do Jurássico, quando destacam-se os neosseláquios. Depois da extinção do Permo-Triássico, apenas ao final do Jurássico os insetos apresentam uma diversificação significativa.
O Cretáceo é o último período do Mesozoico e o de maior duração – cerca de 80 Ma. Já no final do Jurássico, o processo de fragmentação do Pangea e de sua porção sul, o Gondwana, havia sido iniciado. Durante o Cretáceo este processo avançou, culminando com a ruptura final do Gondwana, separando as placas sul-americana e africana, dando origem ao que hoje denominamos de Atlântico Sul. Os continentes como hoje conhecemos foram, de certo modo, individualizados nesse período. Em geral foi um período de clima ameno e temperaturas quentes, mas não extremas.
Na figura, reconstrução paleogeográfica de meados do Cretáceo - 100 Ma (Scotese, 2017).
Fauna e flora no Cretáceo
A flora até então dominada por grupos de gimnospermas e pteridospermas, ganhou um novo componente com o surgimento das angiospermas primitivas, entre o final do Jurássico e o início do Cretáceo. Estas progressivamente começaram a se diversificar, tornando-se dominantes até o final do período, com o declínio das gimnospermas.
A fauna terrestre, em geral dominada por répteis arcossaurianos (principalmente os dinossauros), em alguns locais era sobrepujada pelos pequenos mamíferos roedores da ordem Multituberculata, com diversos outros grupos de mamíferos em menor número. Os pterossauros dominaram os céus até meados do Cretáceo, quando entraram em declínio. Surgem as aves “verdadeiras”. Os répteis rincocéfalos declinaram abruptamente até o final do Cretáceo. Vários crocodilomorfos se diversificaram.
Nos ambientes marinhos, tubarões e peixes teleósteos dominam. Os ictiossauros, originados no Triássico, extinguem-se antes do final do Cretáceo. Os plesiossauros seguiram até o fim, convivendo com os mosassauros, que surgiram em meados do Cretáceo, quando todos foram extintos. Uma grande variedade de amonóides, moluscos cefalópodos com concha externa, se desenvolveu, alguns atingiram quase 2 m de diâmetro! As águas em geral quentes e o clima ameno favoreceram o desenvolvimento de uma abundante e diversificada fauna, abundante até mesmo no registro fóssil.
No final do Cretáceo aconteceu não o maior, porém o mais conhecido evento de extinção da Terra. Cerca de 75% das espécies de plantas e animais foram extintas. Nenhum grande tetrápoda sobreviveu: todos os dinossauros, os pterossauros, os plesiossauros, mosassauros, muitos mamíferos, aves, lagartos. Insetos, plantas, todos os amonóides, muitos grupos de moluscos biválvios e gastrópodos. Enfim, todos os organismos foram afetados.
As causas do evento são ainda debatidas, mas acredita-se que uma série de fatores associados culminaram com a dramaticidade do evento: um grande impacto de meteoro na região que hoje chamamos de Golfo do México, uma série de gigantescas erupções vulcânicas, mudanças climáticas...
O Paleogeno é o primeiro período da era Cenozóica. Constitui a base do que era anteriormente denominado de “Terciário”, que passou a um status informal.
O grande evento de extinção do final do Cretáceo eliminou muitos dos grupos até então dominantes, possibilitando que novos grupos conquistassem estes nichos, levando a uma grande diversificação dos grupos sobreviventes.
Em relação à movimentação das placas tectônicas, destaca-se a colisão da placa da India com a da Ásia, entre o Paleoceno e o Eoceno, começando a soerguer a cadeia dos Himalaias.
O clima foi, em geral, um pouco mais frio do que no Cretáceo, além de mais seco, com eventos episódicos de máximos termais, como o que marca o limite entre o Paleoceno e o Eoceno.
Há uma rápida diversificação dos mamíferos, tornando alguns grupos inclusive adaptados aos ambientes marinhos, como os cetáceos.
Na figura, reconstrução paleogeográfica de meados do Eoceno - 40 Ma (Scotese, 2017).
23,3 - 2,58 Ma - O Neogeno
O Neogeno é o penúltimo período da escala do tempo geológico. Sua paleogeografia é muito semelhante à atual, mas destaca-se a conexo entre a América do Norte e do Sul pelo istmo do Panamá.
O clima apresentou uma tendência global de resfriamento, dando início à formação das calotas de gelo nos polos norte e sul.
Os primeiros Hominini, uma tribo de primatas que inclui o homem moderno, surgiria próximo ao final do período.
Na figura, reconstrução paleogeográfica para o início do Mioceno - 20 Ma (Scotese, 2017).
2,58 - 0 Ma - O Quaternário
O Quaternário é o último período do Cenozoico e aquele no qual vivemos. Formalmente é dividido em duas épocas, o Pleistoceno (2,58 – 0,012 Ma) e o Holoceno (0,012 – atual). Na década de 1980, o biólogo Eugene F. Stoermer utilizou o termo “Antropoceno” para se referir à época em que vive o homem moderno. O termo se popularizou após 1995, através de Paul Crutzen, prêmio Nobel de Química naquele ano. A justificativa seria que o mundo moderno difere bastante do restante incluído no Holoceno. Posteriormente foi sugerido adotar a denominação para o tempo iniciado após a revolução industrial, porém até o momento não foi formalizado.
O Antropoceno e o Futuro...
Falar no Antropoceno faz todo sentido. O surgimento do homem moderno mudou muito da história pretérita do planeta. O homem surgiu talvez como um mero acaso. Qualquer outro caminho ao longo da evolução do planeta poderia ter levado a um mundo completamente diferente, sem a nossa presença. Mas não, surgiu um ser que aprimorou sua capacidade de adaptar-se a praticamente qualquer ambiente. A subjugar todas as demais espécies como seres inferiores. Declara-se senhor da Terra, dos ares e mares. E com isso pode tudo. Inclusive destruir o planeta.
Você pensa nas suas ações do dia-a-dia? Preocupa-se em preservar a natureza, os seres vivos? Minimizar os impactos ambientais indissociáveis à nossa existência?
Fig. 1: Relações de parentesco entre os membros de Archaeplastida. Fonte: Rosana Souza-Lima, 2021; baseado em dados da literatura científica.
Os Vegetais são mais um dos grandes grupos dentro dos domínios dos Eucariontes. E como tem ocorrido com todos os seres vivos do Planeta, suas relações filogenéticas e as diagnoses dos vários grupos que inclui estão, nesse momento, sendo amplamente discutidos. Atualmente, o melhor termo para chamarmos este grande agrupamento é Archaeplastida! O que significaria esse nome? Archaea significa primitiva, plasto se refere a cloroplasto: a novidade evolutiva (=apomorfia) que define esse grupo é a presença de cloroplastos simples de membrana dupla originários de endossimbiose primária.
Figura 2: Endossimbiose primária originando cloroplastos simples de paredes duplas, baseado em imagens da literatura científica.
No texto sobre “Os animais” falamos sobre a endossimbiose que resultou no surgimento de uma célula eucariótica com mitocôndrias. A proposta é de que a endossimbiose de uma célula eucarionte, já com mitocôndrias, desenvolveu os cloroplastos ao englobar uma cianobactéria. Em algumas linhagens de outros grupos é postulada a ocorrência de eventos endossimbióticos secundários e terciários causados pela integração de uma célula eucariótica por outra célula eucariota ou parte dessas células que resultaram em cloroplastos de estrutura diferente da dos cloroplastos simples. Assim, todos os eucariontes que fazem fotossíntese têm clorofila a herdada desse ancestral do cloroplasto simples; a partir daí muitas linhagens se originaram, e suas histórias evolutivas foram se tornando muito distintas umas das outras. Mas vamos conversar agora sobre os Archaeplastida, que são reunidos pelo fato de terem cloroplastos simples de membrana dupla.
Figura 3: Cloroplasto simples de parede dupla. Fonte: Rosana Souza-Lima, 2021; baseado em imagens da literatura científica.
Há registros de que a vida na Terra começou antes do Proterozoico, uma gigantesca era que durou 2 bilhões de anos – de 2,5 bilhões a 541 milhões de anos atrás. Os fósseis dessas rochas muito antigas apresentam vestígios de procariontes anaeróbios e também de formações rochosas especiais feitas por cianobactérias, os estromatólitos. Nessa época também há registros de eucariontes: as primeiras algas bentônicas têm cerca de 2 bilhões de anos, enquanto os primeiros fósseis confirmados de fitoplâncton têm aproximadamente 1,5 bilhão de anos. Ainda temos estromatólitos vivos atualmente, que se formam em alguns ambientes costeiros com altas taxas de evaporação, provocando aumento local da salinidade.
Figura 4: Estromatólito (gênero Jurusania Krylov, 1963) formado por cianobactérias; Irecê, BA. Foto: Rosana Souza-Lima, 2017.
Estima-se que os eucariontes surgiram a cerca de 2 bilhões de anos como organismos heterótrofos. Há cerca de 650 milhões de anos, ainda no Proterozóico, há registro de seres autótrofos multicelulares e os primeiros organismos terrestres surgiram há 450 milhões de anos. À medida que autótrofos multicelulares cresceram em tamanho deve ter ocorrido a pressão que levou ao desenvolvimento de tecidos condutores que levavam a energia produzida pelas células iluminadas para as células não iluminadas no centro desses corpos, que assim puderam crescer mais. O grupo Archaeplastida inclui algas, que tradicionalmente eram incluídas no Reino Protista, e plantas terrestres. As plantas compartilham com as algas verdes a presença de clorofila a como o principal pigmento fotossintetizante, além de pigmentos acessórios, como clorofila b e carotenóides.
Figura 5: O tempo geológico e o desenvolvimento de linhagens de Archaeplastida. Fonte: Wagner Souza-Lima, 2021.
As embriófitas, grupo que reúne todas as plantas terrestres (Figura 6) são definidas por apresentarem embrião multicelular, cutícula, esporófito multicelular, esporângios e gametângios multicelulares e alternância de geração do tipo heteromórfica. O que é “alternância de geração do tipo heteromórfica”? Significa que cada indivíduo desse grupo possui duas fases de vida bem diferentes entre si, alternando uma fase de reprodução sexuada e uma de reprodução assexuada. Vamos lembrar que cada organismo formado por reprodução sexuada, seja ele planta, animal, bactéria ou fungo, sempre recebe metade de seus cromossomos da mãe e metade dos seus cromossomos do pai. Esses cromossomos estão nos gametas, que são haplóides (n), carregando metade dos cromossomos do indivíduo que os originou. Assim, quando um gameta se junta a outro forma um organismo diplóide (gameta n + gameta n = zigoto 2n). No caso das embriófitas, a fase de gametófito (sexuada), como já é haplóide (n), produz gametas por mitose; afinal, gametas sempre são haplóides, pois após a fecundação dos gametas forma-se um zigoto diplóide (2n). Esse zigoto crescerá através de muitas mitoses até originar a fase de esporófito (assexuada). Este produz esporos por meiose, ou seja: o esporófito é 2n e, por meiose, produz esporos n. Ao germinar os esporos dão origem a novos gametófitos n.
Figura 6: Relações de parentesco entre os membros de Embriófitas. Fonte: Rosana Souza-Lima, 2021; baseado em dados da literatura científica.
As “Briófitas” são as plantas terrestres não vasculares, que surgiram no Siluriano, há 420 Ma. Como não têm vasos condutores só podem viver em ambientes úmidos e são plantas de porte pequeno. O gametófito haplóide é a fase dominante, e o esporófito tem vida muito curta. Atualmente o grupo anteriormente denominado “Briófitas” foi dividido em Hepáticas e Antóceros, grupos mais basais, e Briófita propriamente dito ficou mais restrito, incluindo apenas os musgos. Esse grupo restrito, Bryophita, é grupo irmão das Traqueófitas, que são as plantas com vasos condutores de seiva. Os musgos têm o corpo diferenciado em rizoide, cauloide e filoides e têm até condição de viver em ambientes um pouco mais secos, enquanto que as espécies incluídas nos grupos mais basais dependem de maior umidade.
Figura 7: Ambiente úmidos e sombreados, como esse à beira de um rio, são ideais para o crescimento das briófitas, que formam extensos tapetes (Gramado, RS). Foto: Rosana Souza-Lima, 2017.
As “Pteridófitas”, surgidas no Devoniano, foram divididas em dois grupos. As Lycophyta são o grupo mais antigo de traqueófitas e suas folhas têm apenas uma nervura central. As Monilophyta incluem espécies mais simples, como as do gênero Equisetum e as mais de 10 mil espécies de samambaias. Essas plantas têm folhas com um padrão de nervação mais complexo. As novas folhas crescem enroladas na forma de báculo (Figura 8); os esporos são produzidos nos soros, uma bolsa que se rompe quando os esporos estão maduros. Esse grupo já faz parte das Traqueófitas, significando que têm xilema e floema; o corpo é diferenciado em raiz, caule e folhas, e as folhas onde se formam os esporângios são chamadas de esporófilos. O esporófito diplóide é a fase dominante em “Pteridófitas”, “Gymnospermas” e “Angiospermas”.
Figura 8: À esquerda, exemplo de “Pteridófitas” na fase de esporófitos (Monilophyta); à direita o(s) báculo(s), folha(s) em crescimento (Rio de Janeiro, RJ). Foto: Rosana Souza-Lima, 2018.
“Gymnospermas” e Angiospermas fazem parte de um grupo chamado Espermatófitas, porque apresentam sementes. Entretanto, as plantas terrestres vasculares com sementes nuas, como eram tradicionalmente definidas as “Gymnospermas”, são agora divididas em 4 grupos que não são monofiléticos: ainda não estão bem esclarecidas as relações de parentesco entre Cycadophyta (cicas), Coniferophyta (coníferas) e Ginkgophyta (ginkgo); as Gnetophyta (gnetos) são o grupo-irmão das Angiospermas. As “Gymnospermas” possuem as sementes nuas pois não formam frutos: ficam protegidos em flores especiais, os estróbilos (ou cones), e desenvolvem esporos de dois tamanhos: pequenos e grandes.
Figura 9: A) Dois “pinheiros do Paraná”, Araucaria angustifolia, Coniferophyta típica das regiões altas do sudeste e sul do Brasil, emolduram a cachoeira do Caracol (Canela, RS); B a E: estróbilos de Coniferophyta (B: Vancouver,BC, Canadá; C – E: Canela, RS). Fotos: Rosana Souza-Lima, 2017.
As Cycadophyta são comuns em jardins, e produzem estróbilos grandes e vistosos. As Ginkgophyta apresentam apenas uma espécie atual, a Ginkgobiloba, que é considerada um fóssil vivo por apresentarem praticamente o mesmo aspecto há 150 milhões de anos. O grupo das Coniferophyta inclui as formas mais conhecidas do público em geral: araucária, pinheiros, ciprestes e sequoias (Figura 30). São geralmente árvores lenhosas com muitos ramos, de folhas simples e pontiagudas. Geralmente essas árvores são monóicas ou hermafroditas, ou seja: na mesma árvore estão os estróbilos masculinos, menores, e os estróbilos femininos, maiores. Por fim, as Gnetophyta são pouco conhecidas na região Neotropical, pois só ocorrem a oeste dos Andes; possuem vasos condutores muito similares ao das Angiospermas. Triássico com cicadáceas (Bennetialles, por ex.)
Figura 10: A) Vista do centro de crescimento de uma Cycadophyta; B) Estróbilos de Cycadophyta. Fotos: Rosana Souza-Lima, 2021.
As principais novidades evolutivas relacionadas às Angiospermas, classificadas no filo Anthophyta, estão relacionadas a suas flores produtoras de gametas e à estrutura de seus frutos protetores das sementes. São um grupo muito diverso atualmente, abrangendo aproximadamente 90% de todas as espécies de plantas atuais. As Angiospermas sofreram fechamento da folhar carpelar (esporofilo) que é aberta nas “Gymnospermas”, e assim há formação de um receptáculo que protege as sementes, o ovário.
Figura 11: As flores das Angiospermas têm belas cores, deliciosos (ou não!) aromas, pólen e néctar: todas essas estruturas visam atrair animais polinizadores. Fotos: Rosana Souza-Lima, 2021.
As flores são estruturas especializadas que protegem as estruturas reprodutivas e chamam a atenção de agentes polinizadores; assim, apresentam muitas características resultantes de adaptações a polinizadores específicos.
Figura 12: As “Gymnospermas” (esquerda; Vancouver, BC, Canadá) e Angiospermas (direita; Rio de Janeiro, RJ) incluem espécies de porte muito grande, resultante das possibilidades de crescimento permitidas pelas presença de vasos condutores sustentados por lignina. Fotos: Rosana Souza-Lima, 2017.
Conhecendo um pouco mais dos dois mais ‘famosos’ grupos de seres vivos da Terra percebemos que incrível é a diversidade de formas e papéis ecológicos, muitos deles desenvolvidos em processos milenares de coevolução. As características dessas intrincadas relações muitas vezes baseiam-se em um delicado equilíbrio entre as populações de cada uma das espécies envolvidas. O desequilíbrio causado pelas próprias mudanças naturais do planeta, ou aceleradas pelo crescimento das populações humanas podem desestabilizar essa sensível integração e causar danos a todos que vivem na Terra. Vamos falar mais disso!
Figura 13: Momento de ocorrência dos principais eventos da história da vida na Terra, considerando um período de 24 horas. Fonte: Rosana Souza Lima, 2021, adaptado de Raven, 2003 – Biologia Vegetal, 5ª Ed., p. 10.
A Terra tem cerca de 4,5 bilhões de anos, e os primeiros fósseis possuem cerca de 3,5 bilhões de anos. Imagina-se que aos poucos foi se acirrando a competição pelas moléculas orgânicas disponíveis para nutrição, e há cerca de 3,4 bilhões de anos surgiram pequenos organismos unicelulares que conseguiam usar substâncias inorgânicas simples para produzir a energia necessária às suas atividades. Esse foi o caminho que permitiu que prosseguisse a vida na Terra – a quebra da molécula de H2O, que era abundante na terra, liberando O2 que passou a ser utilizado pela maioria dos organismos autotróficos.
Em 1990, o microbiologista Carl Woese (1928-2012) propôs o agrupamento dos seres vivos em três domínios: dois constituídos por procariontes (Bacteria e Archaea), e um terceiro reunindo todos os seres eucariontes, Eukarya (Figura 1). Uma das mais corroboradas propostas de divisão do Domínio Eukarya é a que une no grupo Opisthokonta os dois mais conhecidos grupos de Eukarya heterótrofos: os fungos e os animais. Opisthokonta é definido pelo fato da maioria das células de seus membros apresentar cristas mitocondriais planas, e as células flageladas normalmente terem um único flagelo originando-se na extremidade posterior da célula (Figura 2).
Figura 1: Principais grupos de seres vivos numa perspectiva filogenética molecular (adaptado de Nealson, 1997).Figura 2: Divisão do Domínio Eukarya em grupos; os retângulos vermelhos mostram a posição dos dois grupos de heterótrofos mais conhecidos, os animais e os fungos. Fonte: Adaptado de Alastair Simpson, Dalhousie University, 2020; CC-BY-SA-4.0 (https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Eukaryote_Phylogeny.png).
Há evidências de que a vida procarionte (que são as células com material genético solto no citoplasma) tenha surgido nos oceanos primitivos e há cerca de 2 bilhões de anos, uma dessas células tornou-se endossimbionte (= passou a viver dentro) de outra: isso teria originado as mitocôndrias, resultando numa célula eucariótica que tinha a possibilidade de lidar com a oferta de oxigênio, que estava começando a aparecer na atmosfera da Terra. A célula eucariótica é a que tem o material genético guardado dentro de uma bolsinha membranosa, o núcleo. Milhares de anos se passaram desde a origem desses primeiros organismos eucariontes até eles de fato se diversificarem, mas talvez essa lacuna tenha sido criada por esses organismos terem corpo pequeno e sem esqueletos duros, dificultando que deixassem registro fóssil. Aparentemente ainda não havia oxigênio suficiente para permitir a evolução de formas maiores de microrganismos e, na verdade, nem todo organismo se torna um fóssil, ao morrer: são necessárias condições especiais para que isso aconteça (falamos sobre isso em “O que são fósseis, como se formam e sua importância”).
Atualmente estima-se que os primeiros animais teriam menos de 900 Ma (Ma = milhões de anos). Vários desses registros são icnofósseis, vestígios deixados nas rochas pelas atividades realizadas por esses organismos. Embora haja vestígios até mesmo de formas embrionárias, ainda há muita discussão sobre a idade dos primeiros bilatérios, que parece girar em torno de 565 milhões de anos, na era Neoproterozóica (Pré-Cambriano). Aparentemente o grupo-irmão dos animais são “protistas” coanoflagelados, organismos geralmente coloniais, formados por uma única célula e com um único flagelo, circundado por um colar transparente contendo filamentos de actina. A proposta é de que uma linhagem colonial tenha diferenciado células corporais e reprodutivas, levando ao surgimento de organismos multicelulares cujas células são mantidas juntas por estruturas adesivas: os animais! Outras linhagens de “protistas” foram as ancestrais de Fungos e Plantas, grandes grupos de organismos pluricelulares.
Intervalo para uma reflexão: por que estou escrevendo “protista” entre aspas? Esse grupo de seres eucariontes unicelulares eram considerados um Reino. Entretanto, hoje se sabe que os “protistas” não formam uma linhagem única, e podemos ver isso na Figura 2: se excluirmos plantas, animais e fungos, todos os outros nomes se referem a organismos que anteriormente eram incluídos nesse “Reino Protista”. Assim, continuamos usando esse termo por conveniência, mas não se refere a um agrupamento monofilético de organismos. Monofilético são os grupos que têm uma história evolutiva comum pois descendem do mesmo ancestral.
Os Metazoa são um grupo monofilético definido por muitas novidades evolutivas (= sinapomorfias; leia o texto “Como identificar relações de parentesco entre os seres vivos?”). Além da multicelularidade e da presença de junções epidérmicas aderentes, todos apresentam um estágio embrionário com blástula e todos, exceto os Porifera (popularmente chamados de “esponjas”), apresentam o estágio de gastrulação (Figura 3), que gera duas camadas embrionárias: epiderme externa e endoderme interna; a presença de diferentes camadas embrionárias leva à produção de estruturas distintas, aumentando a diversidade de formas dentro do grupo. Os animais possuem, ainda, processos únicos na produção de ovócitos (gametas femininos) e de espermatozóides (gametas masculinos), células com metade da carga genética do indivíduo adulto (= haplóides, símbolo “n”) que, quando se unem durante o processo de fecundação, resultam em um organismo com dois conjuntos de material genético, um vindo do ovócito da mãe e outro do espermatozóide do pai (= diplóide, símbolo “2n”). Apresentam, ainda, estruturas relacionadas à sustentação e movimentação corporal, como as proteínas contráteis actina-miosina e a proteína colágeno.
Figura 3: Representação das fases embrionárias de blástula e gástrula em Metazoa (adaptado de Lopes, 2008).
Ao final da era Proterozoica, há cerca de 750 milhões de anos, começou a quebra do supercontinente Rodínia. Nessa era ainda havia pouco oxigênio na atmosfera e nas regiões mais profundas do oceano. Há indícios da ocorrência de três períodos de glaciações, cada um durando cerca de 10 milhões de anos, separados por períodos de aquecimento forte e rápido, provavelmente produzido por fortes erupções vulcânicas que provocavam o acúmulo de CO2, resultando em um efeito estufa; nesse contexto surgiram os metazoários. Posteriormente, quando o nível de oxigênio na atmosfera aumentou e se estabilizou, teria permitido a rápida diversificação de organismos grandes e mais ativos.
No cladograma resumido dos Metazoa (Figura 4) estão os nomes dos maiores filos animais, para que você tenha um panorama geral do Reino. Para cada ponto da história evolutiva desses organismos será citada, nesse texto, ao menos uma novidade evolutiva que a partir dali levou à grande diversificação das linhagens descendentes.
Figura 4: Resumo das relações filogenéticas entre os principais grupos de Metazoa; algumas características que definem cada um dos grupos são citadas no texto. Fonte: Rosana Souza Lima, 2021 (CC BY-NC 4.0).
Embora seja difícil perceber o porquê dos exemplares incluídos no Filo Porifera serem considerados animais, eles compartilham conosco as características que definem Metazoa. Entretanto, não formam tecidos verdadeiros. Alimentam-se de partículas em suspensão capturadas pelos coanócitos, células flageladas muito semelhantes aos organismos coanoflagelados. A água entra em seus corpos por vários pequenos poros e sai por uma abertura maior, o ósculo; a parede corporal pode ser bastante elaborada, aumentando a área superficial em contato com a água, a quantidade de células corporais e potencializando a filtração e captura de partículas (Figura 5). A maior parte das espécies atuais é de água salgada, mas algumas espécies ocorrem em água doce. Muitos membros desse grupo apresentam esqueletos internos formados por espículas calcárias e silicosas, o que garante melhores condições de fossilização.
Figura 5: A) Diferentes tipos de complexidade morfológica em Porifera; as setas azuis mostram o fluxo da água na cavidade corporal, que não funciona como uma cavidade digestiva. Fonte: adaptado por Philcha, https://commons.wikimedia.org/, (CC BY-SA 3.0), de Ruppert & Barnes, 2004. B) Colônia com muitos organismos de esponjas da espécie Hymeniacidon sanguinea (Família Hymeniacidonidae): os poros maiores são os ósculos, por onde sai a água que circula por seus corpos; Cabo Frio, RJ. Fonte: Rosana Souza-Lima, 2013 (Copyright).
O filo Cnidaria se caracteriza por ser diblástico: como seu embrião sofre gastrulação, desenvolverá dois tecidos embrionários (Figura 6): a ectoderme externa e a endoderme interna. Muito diverso, inclui formas muito conhecidas, como medusas, anêmonas-do-mar e corais; esses últimos, que formam extensas colônias interligadas por seus esqueletos de carbonato de cálcio formam os mais importantes registros fósseis desse filo. Nesse grupo, radialmente simétricos, ocorre um sistema digestório incompleto, onde a ingestão de alimento e a eliminação de resíduos não digeridos (= fezes) ocorrem pela boca.
Figura 6: O peixe Amphiprion sp. vive em simbiose entre os tentáculos da anêmona-do-mar, que é um Cnidário; Aquário de Quebec, QC, Canadá. Fonte: Ricardo Souza-Lima, 2013 (Copyright).
Os grupos seguintes são bilateralmente simétricos e triploblásticos: durante a neurulação, fase que sucede à gastrulação, a camada embrionária interna, endoderme, diferenciará um terceiro folheto germinativo, a mesoderme. Esse folheto embrionário é responsável pela origem de muitos tecidos e estruturas, como musculatura, tecidos conjuntivos, estruturas esqueléticas e sistemas circulatório, excretor e reprodutor. Em alguns grupos o peritônio, tecido mesodérmico, margeia uma cavidade corporal, o celoma; o sanduíche formado pela bolsa de peritônio com celoma interno, preenchido por líquido celomático, fica em volta dos órgãos corporais. Notamos, portanto, como o surgimento da mesoderme é fundamental para a origem da crescente complexidade corporal que observamos nos animais.
O filo Platyhelminthes inclui vermes achatados dorsoventralmente e acelomados, pois neles a mesoderme não forma cavidade celomática. Há espécies de vida livre em água doce ou salgada, mas a maioria delas é de parasitas; tubo digestório incompleto e até mesmo ausente em algumas formas. Seus corpos moles não formam registros fósseis importantes.
Os moluscos são caracterizados por possuírem corpo com cabeça, pé e massa visceral, essa última coberta por um tecido chamado “manto” que geralmente secreta o esqueleto em forma de concha, composto por carbonato de cálcio (Figura 7). Alguns grupos não têm concha, porém, ou têm concha reduzida e interna. Entretanto, graças à essa estrutura, formam um rico e informativo registro fóssil. Os Anelídeos, grupo proximamente relacionado, têm corpo fortemente segmentado, muitas formas com o corpo repetindo várias vezes segmentos muito parecidos entre si, geralmente com cerdas, e sistema nervoso ganglionar bem desenvolvido. Animais com essas características são conhecidos aproximadamente a partir do Cambriano.
Figura 7: Exemplar da Família Nautilidae que abriga as últimas formas viventes de moluscos cefalópodes. Nautilus pompilus Linné, 1758, Indo-Pacífico – Museo Bernardino Rivadavia, Buenos Aires. Fonte: Rosana Souza Lima, 2007 (Copyright).
Nas rochas do período Ediacarano (final da era Proterozoica) nos deparamos com uma grande surpresa: há registros de invertebrados marinhos que incluem formas muito parecidas à de filos que ainda ocorrem hoje em dia, como os Porifera (esponjas), Cnidaria (corais e águas-vivas), Mollusca (caramujos e polvos). Alguns dos mais de 100 gêneros de fósseis ediacaranos descritos tanto de águas rasas quanto profundas, porém, são diferentes de tudo o que conhecemos. Aparentemente a maioria deles possuía corpos moles, sem partes duras de grandes tamanhos. Já se encontra registros de duas formas corporais: os que apresentavam simetria radial, como os Cnidaria e equinodermas atuais, e os com simetria corporal bilateral. Muitos desses organismos entraram em extinção na transição do para o Cambriano, no último evento de glaciação do Proterozoico.
Figura 8: Simulação de representantes da fauna de Burgess Shale, oeste do Canadá (Cambriano Médio; Royal Tirrel Museum, Drumheller, AB, Canadá). Fonte: Rosana Souza-Lima, 2017 (Copyright).
O éon Fanerozoico, que inclui as eras Paleozoica, Mesozoica e Cenozoica – essa última sendo a nossa era atual – é palco de um período de ocorrência de muitas formas de vida. Começou, na era Paleozoica (541 a 252 Ma), com a “explosão do Cambriano” (Figura 8), período entre 541 e 485 Ma no qual os animais continuaram a enfrentar oscilações climáticas extremas e mudanças químicas da atmosfera e dos oceanos. O aumento no teor de cálcio dos mares influenciou o surgimento de muitos organismos com esqueletos bem-mineralizados inclusive representantes da maior parte dos filos animais que conhecemos atualmente. Talvez a “popularização” desses esqueletos seja um indício de que nesse período aumentaram as atividades predatórias nos mares. Enquanto a fauna ediacarana inclui maior número de espécies que se alimentavam de detritos e material em suspensão, no começo do Cambriano há registros de carnívoros e herbívoros, como artrópodes predadores gigantes, e no final do Cambriano já ocorrem registros de peixes agnatos, talvez hematófagos (comedores de sangue) ou saprófagos (comedores de animais mortos) como os que existem atualmente. Assim, ampliaram-se muito os nichos ecológicos nos ambientes marinhos, e muitas dessas linhagens cambrianas viveram por muitos milhões de anos.
Figura 9: Modelos didáticos para exibir os grupos agnatos viventes atualmente: A) Exemplar de Petromyzontiformes (lampréia); B) Petromyzontiformes: larva amocetes à esquerda e corte longitudinal de cabeça de lampréia adulta à direita; C) Myxini (feiticeiras): corpo inteiro, comportamento de nó e detalhe da cabeça. Fonte: Rosana Souza-Lima, 2021 (Copyright).
Trabalhos publicados recentemente sugerem que alguns desses filos tenham, na verdade, se originado no período Ediacarano. Algumas das discussões avaliam a taxa de oxigênio livre nesses períodos, que certamente está ligada à evolução da vida animal. Provavelmente foram necessários alguns milhões de anos para acúmulo do oxigênio livre produzido pela fotossíntese das cianobactérias. É possível, também, que os oceanos proterozoicos tenham sido mais oxigenados nas regiões mais superficiais e mais anóxicos nas regiões mais profundas. O oxigênio permitiu a evolução de formas maiores e de formas mais ágeis, que podiam sair em busca de suas presas, gastando muita energia nesse processo.
Nematoda e Artropoda formam, com outros filos menores, o clado Ecdysozoa, pois trocam a cutícula quitinosa ao menos uma vez durante seu ciclo de vida. Nematoda geralmente têm uma troca entre cada um dos 4 estágios de crescimento. Apresentam um par de órgãos sensoriais cefálicos, os anfídios, que consistem em um poro externo ligado por um ducto a uma bolsa anfidial ligada ao anel nervoso cerebral; provavelmente são quimiorreceptores. Os Artrópodos são, de longe, o maior grupo de animais com espécies descritas, e com seu exoesqueleto quitinoso estão presentes em registros fósseis desde o pré-Cambriano. Ainda assim, estima-se que o que conhecemos é cerca de 10 a 20 % de todas as formas que existem.
Figura 10: Exemplo da diversidade de insetos (Arthropoda), o maior grupo de seres vivos atuais; Insetário, Jardim Botânico, Montréal, QC, Canadá. Fonte: Rosana Souza-Lima, 2013 ( Copyright ).
O modo de formação da boca, ânus e celoma é um dos critérios que agrupa os animais dos filos Hemichordata, Echinodermata e Chordata como deuterostomados. Há uma proposta de que os dois primeiros filos sejam mais próximos entre si por compartilharem o mesmo destino do blastóporo, que geralmente forma ânus (embora alguns grupos tenham sofrido regressão e apresentem tubo digestório incompleto) e por exibirem uma larva com estrutura bem parecida. Ambos os grupos só têm representantes marinhos. Os Hemichordata são vermes de corpo mole dividido em probóscide ou escudo, colarinho e tronco. Apresentam uma estomocorda que já foi considerada homóloga da notocorda, embora a opinião atual é de que não seja; daí o seu nome. Já os Equinodermas, com simetria bilateral nas larvas e simetria radial desenvolvida secundariamente no adulto, têm um complexo sistema de canais que forma um sistema ambulacral que, além de auxiliar na locomoção, serve também para respiração, excreção e captura de alimento, a depender do organismo. Equinodermos também apresentam um rico registro fóssil, já que a maioria das formas apresenta um endoesqueleto de carbonato de cálcio.
Figura 11: Exemplos de Equinodermos: A) Ouriço-do-mar, Lytechinus variegatus; B) Pepino-do-mar, Holothuria grisea; Cabo Frio, RJ. Fonte: Rosana Souza-Lima, 2018 ( Copyright ).
Os Chordata são um grupo mais conhecido por incluírem os Vertebrata. Atualmente passa por muitas modificações de nomenclatura resultantes da metodologia cladista. O grupo “Pisces”, por exemplo, não é monofilético e, na verdade, engloba quatro grupos principais: Myxini (feiticeiras), Petromyzontiformes (lampréias), Chondrchthyes (‘peixes’ secundariamente cartilaginosos) e Osteichthyes, os peixes ósseos. Esse último inclui dois grupos principais: os Actinopterygii, que inclui cerca de 30 mil espécies de ‘peixes’ nos quais a nadadeira só apresenta raios, sem musculatura, e Sarcopterygii, com 8 espécies de ‘peixes’ ainda existentes e os Tetrapoda. Os Tetrapoda incluem os Anfíbios e os Reptilomorpha. Nesse último grupo estão incluídos os répteis, aves e mamíferos. Prestou atenção no que está escrito aqui? Nós, mamíferos, somos um tipo de Osteichthyes, portanto…
Figura 12: Osteichthyes: A) Lepidosiren paradoxa (única espécie de Sarcopterygii existente atualmente na América do Sul; loja de aquário); B) Geophagus brasiliensis (Actinopterygii; rio Grande, Jaconé, Saquarema, RJ). Fonte: Rosana Souza-Lima, 2018 ( Copyright ).
Os primeiros peixes teleósteos (grupo de Actinopterygii onde são incluídas a maioria das espécies que ocorrem no planeta atualmente) e os famosos euriptéridos (conhecidos como “escorpiões-marinhos”, embora não sejam escorpiões), proliferaram no período Ordoviciano. Os primeiros artrópodos terrestres surgiram no Siluriano e no Devoniano o número de formas de vida terrestres aumentou muito, graças à diminuição do CO2 atmosférico (veja no texto sobre “Os vegetais”). Cerca de 80% das espécies conhecidas pelos cientistas atualmente são artrópodes, e os insetos são cerca de 80% desse total.
No Permiano há cerca de 270 Ma, houve a maior extinção em massa do Planeta, na qual cerca de 90% das espécies marinhas e 70% das terrestres foram eliminados, incluindo formas comuns até então, como alguns tipos de corais e os trilobitas.
No Triássico (já na era Mesozoica, há cerca de 200 Ma) houve a formação da Pangeia. O clima do planeta era quente, e haviam grandes desertos. Após a extinção de Permiano a diversidade de animais ampliou-se rapidamente, e surgiram os dinossauros e os primeiros mamíferos terrestres. Ao menos na parte mais rasa dos mares sabemos que aumentou a diversidade de corais e peixes. Houve, porém, um novo evento de extinção em massa, que resultou no desaparecimento de aproximadamente metade das espécies da época.
Figura 13: As montanhas Atlas, no Marrocos, são parte da formação Província Magmática do Atlântico Central, que ocorreu em parte da região mediana da Pangea no Mesozoico, há cerca de 200 Ma. Entre as montanhas, o rio Ziz (Oued Ziz; Errachidia, Marrocos). Fonte: Ricardo Souza-Lima, 2010 ( Copyright ).
O período Jurássico continuou com clima quente. Nesse período a Pangeia dividiu-se em Laurásia ao norte e Gonduana ao sul, gerando um canal marinho, o Mar de Tétis, que parece ter sido ambiente para muitas espécies da fauna marinha tropical.
Os oceanos, inclusive o Atlântico, sofreram muitas transgressões: as águas, mais altas, avançavam sobre as terras, mais baixas, formando muitas áreas aquáticas rasas. Aos poucos o clima foi esfriando. Ao final do período Cretáceo, nova extinção em massa, com perda de cerca de 50% das espécies, inclusive muitas formas de dinossauros todos os amonóides. O Cenozoico, que começou há 66 Ma, continuou com clima mais frio por cerca de 10 milhões de anos. As correntes marinhas que se formaram quando a Antártida se separou da América do Sul resultou no seu clima gelado atual. Há 56 Ma os gases do efeito estufa aqueceram a atmosfera e os oceanos do planeta e várias linhagens de animais voltaram a aumentar, como os recifes de corais atuais. Agora, discute-se sobre o rápido declínio e extinção de muitas formas de vida causada pelo intenso crescimento das populações humanas e suas atividades econômicas em diversos pontos da Terra.