Cachoeira do Saboeiro

Por Wagner Souza-Lima

Cachoeira do Saboeiro

CACHOEIRA DO SABOEIRO

A Cachoeira do Saboeiro está localizada às margens do rio Vaza-Barris, aproximadamente entre as cidades de Lagarto e São Domingos, no Estado de Sergipe. Embora esteja mais próxima desta última, seu acesso mais fácil encontra-se através de Lagarto, pois evita-se tanto caminhar por uma trilha longa e pouco aberta, como ter que atravessar o rio Vaza-Barris. Por Lagarto, encontra-se a cerca de 100 km de Aracaju.

Constitui um magnífico exemplo ainda ativo da formação de travertinos associado a fontes superficiais de água doce enriquecidas em carbonato de cálcio (CaCO3), podendo por essa razão serem também denominados de “tufas”. É talvez o único ambiente do tipo existente em Sergipe, ativo até o Recente. A cachoeira forma-se praticamente no ponto de encontro do pequeno riacho do Saboeiro com o rio Vaza-Barris, estando a poucos metros deste último. O riacho do Saboeiro é um curso d’água de pequeno porte e extensão, cuja nascente principal encontra-se cerca de 500 m a NW da cachoeira, no sítio denominado “piscina do Saboeiro”.

Do ponto de vista geológico, a nascente do riacho do Saboeiro ocorre em metacarbonatos aparentemente fraturados da Formação Olhos d’Água, já bem próximos ao contato com os filitos e metagrauvacas da Formação Frei Paulo, que ocorrem ao lado da cachoeira. Estas unidades pertencem, respectivamente, aos grupos Vaza-Barris e Simão Dias, de idade neo- a mesoproterozóica. O sítio encontra-se na margem sudoeste do “Domo de Itabaiana”, ao sul da Serra da Miaba, uma feição estrutural do tipo braquianticlinal, originada provavelmente ainda no Neo-Criogeniano (cerca de 850 Ma), antes da deformação regional de toda a faixa dobrada, que ocorreu no final do Proterozóico (no ciclo denominado “Brasiliano”, entre 850 e 500 Ma).

Mapa geológico do Domo de Itabaiana (adaptado do “Mapa geológico do Estado de Sergipe”, CPRM/CODISE, 1997). A “Cachoeira do Saboeiro” localiza-se ao sul da Serra da Miaba, às margens do rio Vaza-Barris.

A formação destes tipos de depósitos ocorre quando águas subterrâneas enriquecidas em dióxido de carbono (CO2) entram em contato com rochas carbonáticas, provocando sua dissolução, pois o dióxido de carbono dissolvido atua como um ácido fraco, transformando o carbonato de cálcio em bicarbonato de cálcio (Ca(HCO3)2):

CaCO3 + H2O + CO2 ⇌ Ca2+ + 2HCO−3

Como este composto é instável, e existe apenas em solução, quando sua concentração aumenta, qualquer perturbação no sistema que cause diminuição da pressão parcial de CO2 (pCO2) fará com que o carbonato de cálcio precipite novamente. E, nesse caso, a própria velocidade da corrente do córrego e o impacto das gotículas super-saturadas nas quedas d’água aumentam as interações entre a solução e o ar, favorecendo a precipitação, formando uma ampla gama de formações carbonáticas.

No sítio da cachoeira do Saboeiro são observados travertinos sob a forma de terraços, cascatas, represas, estalactites, cortinas, mini-represas, formas botrioidais ou massas de aspecto poroso envolvendo fragmentos orgânicos diversos (já decompostos, restando apenas a porosidade móldica), bem como incrustando seixos, fragmentos de rocha e conchas de gastrópodos (muitos dos quais ainda vivem nas pequenas represas).

Os travertinos estão distribuídos em uma área muito mais ampla do que o curso atual da cachoeira, sendo bem visível na escarpa adjacente ao norte, sugerindo que as condições de umidade podem ter sido mais amplas e favoráveis em tempos não muito remotos.

Cachoeira do Saboeiro
Cachoeira do Saboeiro, exibindo múltiplos terraços de travertinos, formando piscinas naturais.

A presença de vegetação ao longo do trajeto do riacho, ao mesmo tempo que favorece a dissolução dos carbonatos pela presença de ácidos orgânicos, também induz sua precipitação com sua decomposição. É assim muito comum a preservação de moldes externos de pequenos fragmentos vegetais como caules, talos e frutos, bem como impressões foliares delicadamente delineadas. A precipitação de carbonato de cálcio induzida por atividade bacteriana tem sido amplamente documentada nestes processos na literatura mais recente, tendo importante papel neste tipo de precipitação ao redor de matéria orgânica em decomposição.

Percorrer o sítio da cachoeira é fácil apenas na sua parte superior, que engloba a nascente e o curto trecho do riacho até o início da queda. Já o acesso à cachoeira não é muito fácil, principalmente devido à sua altura, de cerca de 20 m, que despenca de uma escarpa íngreme e escorregadia. Há um acesso pela direita, não menos íngreme, bem marcado, difícil tanto na descida como na subida, que conta com um cabo de aço improvisado, mas não muito confiável, que serve de suporte. O elevado ângulo de mergulho das camadas da Formação Frei Paulo (cerca de 60°), dificulta o que já é difícil. Porém, com os devidos cuidados, não é impossível subir e descer.

Na parte superior, a vegetação predominante é do tipo savana gramíneo-lenhosa, com muita influência antrópica. Pequenos trechos com resquícios de vegetação nativa resistem ao longo do curso do riacho. Na área da cachoeira e do cânion do Vaza-Barris, florestas-de-galeria residuais são encontradas, ricas em pteridófitas, briófitas e licopodiófitas nas áreas úmidas.

Vale do Vaza-Barris
O vale do Vaza-Barris – visão ao sul da cachoeira
Vale do Vaza-Barris
O vale do Vaza-Barris e a Serra da Miaba (vista ao norte da cachoeira)

Como chegar

Chegar até o local não é difícil, mesmo em carros não tracionados. A partir de Aracaju, por Lagarto, o acesso se dá pela BR-101 e BR-349 até esta última cidade. Seguindo em direção a Simão Dias, cerca de dois quilômetros adiante, toma-se o acesso à direita para o povoado Barro Vermelho e, depois, para o Saboeiro. Todo o trajeto é facilmente roteável.

Coordenadas do sítio: 10°47’30″S; 37°36’41″O

Poções da Ribeira

Por Wagner Souza-Lima

POÇÕES DA RIBEIRA

Os Poções da Ribeira constituem uma feição geológico-geomorfológica localizada ao sul da cidade de Itabaiana, no Estado de Sergipe, a pouco mais de 50 km de Aracaju. Constitui um magnífico sítio natural exibindo uma drenagem superimposta formada pela passagem do rio das Traíras através do prolongamento sul da serra de Itabaiana. O leito do rio define um cânion mais suavizado na sua porção norte e profundamente ressaltado mais ao sul, onde, na sua porção mais exuberante, que constitui a saída do cânion, alcança cerca de 100 m de altura e 25 m de largura, na sua parte mais inferior.

Do ponto de vista geológico, o sítio está implantado em rochas metassedimentares do Grupo Miaba, de idade neo-proterozóica (eocriogeniana?; entre 800-850 Ma), envolvendo as formações Itabaiana (quartzitos) e Ribeirópolis (filitos e metargilitos). O sítio encontra-se na margem sul do “Domo de Itabaiana”, uma feição estrutural do tipo braquianticlinal, originada provavelmente ainda no Neo-Criogeniano, antes da deformação regional de toda a faixa dobrada, que ocorreu no final do Proterozóico (no ciclo denominado “Brasiliano”), cujo núcleo é composto principalmente por gnaisses e migmatitos, em relevo negativo, circundado pelas cristas metassedimentares soerguidas nas diversas fases de deformação subsequentes.

Mapa geológico do Domo de Itabaiana (adaptado do “Mapa geológico do Estado de Sergipe”, CPRM/CODISE, 1997). Os “Poções da Ribeira” localizam-se na Serra Comprida, que é o prolongamento sul da Serra de Itabaiana.

O rio das Traíras, responsável pelo delineamento do sítio, faz parte da bacia hidrográfica do Vaza-Barris. Nasce nas proximidades da cidade de Macambira, em Sergipe, nas vertentes orientais da Serra da Miaba, atravessando o setor ocidental do domo, composto por gnaisses e migmatitos do embasamento neo-arqueano/paleoproterozóico, cujo relevo é relativamente aplainado. A pouco mais de 3 km antes do sítio em questão (ao norte), o rio das Traíras encontra-se represado pela barragem da Ribeira, uma estrutura de terra com 26 m de altura e 500 m de comprimento. Isto faz com que o rio, no trecho dos Poções, entre a barragem e o rio Vaza-Barris, tenha normalmente pouca água, que é mais abundante apenas no período das chuvas ou por eventual transbordamento da barragem. Após o sítio, o rio das Traíras encontra-se com o rio Vaza-Barris em sua margem esquerda, depois de percorrer pouco mais de 3 km.

Vista dos Poções da Ribeira no trecho do contato entre as formações Itabaiana e Ribeirópolis.

O setor mais visitado do sítio é o da desembocadura do cânion. Nele, o rio das Traíras cortou os quartzitos da Formação Itabaiana, os quais, nesta área, apresentam acentuado mergulho (em torno de 45°). O rio ziguezagueia pelas rochas formando poços de profundidades variadas (informações não verificadas indicariam que o poço mais externo, ainda nos quartzitos, apresenta profundidade superior a 12 m) até formar um pequeno lago, de fundo arenoso, instalado sobre rochas da Formação Ribeirópolis.

Percorrer o cânion não é muito fácil, principalmente devido à sua restrita entrada, ao elevado ângulo de mergulho das camadas no trecho inicial e ao grande poço nela existente. Porém, com os devidos cuidados, é uma caminhada prazerosa.

A vegetação predominante é do tipo savana gramíneo-lenhosa, com florestas-de-galeria localizadas em alguns trechos internos ao cânion e, em maior extensão, após a desembocadura do mesmo.

Como chegar

Chegar até o local não é difícil, mesmo em carros não tracionados. O acesso se dá pela BR-235 até o povoado de Rio das Pedras. Dois quilômetros adiante, toma-se o acesso à esquerda (SE-102) para o povoado da Ribeira. Todo o trajeto é facilmente roteável.

Coordenadas do sítio: 10°49’50″S; 37°27’00″O