Orville Adelbert Derby

Por Wagner Souza-Lima

Orville Adelbert Derby, mais conhecido na geologia brasileira como “Derby”, nasceu em 23 de Julho de 1851 no pequeno povoado de Kellogsville, na zona rural da cidade de Niles, no Estado de Nova York, Estados Unidos.

Ingressou aos 17 anos, em 1869, na Cornell University, em Ithaca, onde logo chamou a atenção de Charles Frederic Hartt, professor naquela instituição. Hartt, que encantara-se pela Geologia do Brasil desde que havia participado da “Expedição Thayer” (1855-1856), organizada por Louis Agassiz, percebeu em Derby um grande potencial, e como preparava-se para sua primeira expedição independente ao Brasil, convidou-o para participar da “Expedição Morgan”. Esse fato influenciaria definitivamente a carreira e vida de Derby.

Partiram para o Brasil em 23 de Junho de 1870, desembarcando em Belém do Pará. Daí exploraram o vale do rio Amazonas, quando foram descobertas a rica fauna carbonífera do rio Tapajós e os fósseis devonianos de Monte Alegre e da serra do Ererê. Além de Hartt e Derby, participaram da expedição o Prof. Albert Nelson Prentiss (1836–1896), botânico, e mais 12 estudantes da Cornell University.

Derby, aos 19 anos, com Charles Frederick Hartt, durante a expedição Morgan (acervo de Derby, no Museu de Ciências da Terra, Rio de Janeiro).

O sucesso da primeira expedição Morgan propiciou uma segunda expedição, também financiada principalmente pelo empresário e político Edwin Barber Morgan (1806–1881). Na segunda Expedição Morgan, realizada entre Julho e Dezembro de 1871, Hartt e Derby, este com 20 anos, retornaram ao vale do Amazonas , e examinaram também diversos pontos entre a costa do Pará e de Pernambuco, estudando pela primeira vez os fósseis cretáceos de Pernambuco.

Regressando para os EUA em Janeiro de 1872, Derby graduou-se em Geologia em 1873 e obteve o título de “Master of Science” em 1874, com sua tese “On the Carboniferous Brachiopoda of Itaituba, Rio Tapajos, Prov. of Pará, Brazil“, orientada por Hartt. Em 1874, com a partida de Hartt para o Brasil, o substituiu como instrutor de Geologia na Cornell University.

Devido ao prestígio adquirido em suas pesquisas no Brasil, Hartt foi convidado ao Brasil em 1874 a fim de apresentar sua proposta de criação de um serviço geológico para o Império. Acompanhou-o seu assistente e aluno John Casper Branner (1850-1922). Em meados de 1875 conseguiu, finalmente, a aprovação de sua proposta, criando-se a “Commissão Geologica do Imperio do Brasil”, assumindo a sua direção. Assim, chamou para participar da comissão, quatro antigos alunos dentre os quais Derby e Richard Rathbun (1852-1918). Integrariam também a comissão, Elias Fausto Pacheco Jordão (o primeiro brasileiro a estudar em Cornell), Francisco José de Freitas, John Casper Branner, Luther Wagoner, Franck G. Carpenter, Herbert Huntington Smith (1851–1919), e o fotógrafo Marc Ferrez (1843–1923).

Comissão Geológica do Império (1875) – ao centro, sentados, Charles Frederick Hartt, Derby e Marc Ferrez (acervo de Derby, no Museu de Ciências da Terra, Rio de Janeiro).

Em Dezembro de 1875, Derby chegou ao Brasil, onde viveria até o fim da sua vida. Seus primeiros estudos nesta nova fase foram dedicados ao Cretáceo da Bahia e Sergipe, e também à geologia do rio São Francisco. Posteriormente dedicou-se a estudos no Pará, Paraná e Amazonas.

Além do amplo conhecimento adquirido acerca da geologia do Brasil, pelos trabalhos da comissão, um riquíssimo acervo geológico, paleontológico, zoológico e arqueológico foi coletado. Por motivos mais políticos do que econômicos, contudo, o destino da comissão foi selado pelo ministro da Agricultura (órgão à qual estava vinculada), o conselheiro João Lins Vieira Cansanção de Sinimbu. Apesar de todo o êxito dos trabalhos realizados pela comissão e da vasta coleção obtida, ela foi suspensa temporariamente em 1877 e extinta em 1878, com a morte de Hartt. A morte de Hartt causou um grande impacto em Derby, que lhe fez companhia até os seus últimos minutos de vida.

Em 1876, com a reorganização do Museu Nacional, em 1876, Hartt havia se tornado diretor do departamento de Geologia, mas ficou pouco tempo no cargo devido aos afazeres que tinha na comissão. Em 1877, com a suspensão temporária da comissão, Derby, com 26 anos, começou a atuar como voluntário no museu. Com a extinção da comissão no ano seguinte, não mediu esforços em resgatar o enorme acervo e colocá-lo em salvaguarda no Museu Nacional, que à época funcionava no Campo da Aclamação (hoje Campo de Santana). A coleção de fósseis obtidos das duas expedições Morgan e da extinta comissão era tão expressiva que compunha 70% da coleção paleontológica daquele museu até o fatídico incêndio de 2018. Em 1879 foi efetivado como diretor da seção de Geologia, cargo em que permaneceu até 1886, quando iniciou sua colaboração na organização dos trabalhos dos levantamentos topográficos e geológicos de São Paulo.

No Museu Nacional publicou, à exceção de sua tese de mestrado, os primeiros trabalhos sobre a geologia do Brasil, no recém-criado “Archivos do Museu Nacional”. Sua produção científica foi imensa! Entre os anos de 1879 e 1890 publicou 42 trabalhos sobre a geologia, mineralogia e paleontologia do Brasil. Derby foi um dos principais pesquisadores envolvidos para o translado do enorme meteorito Bendegó desde o sertão da Bahia até o Museu Nacional, em 1888. Muitos dos aparelhos utilizados por Derby nas suas pesquisas (p. ex., três microscópios e um espectrômetro), comprados com seus próprios recursos, constavam no acervo do Museu Nacional até o incêndio de 2018.

Derby colaborou formalmente com o Museu Nacional até 1890, quando foi exonerado ao entrar em vigor um regulamento que impedia o acúmulo de cargos, já que ele chefiava a Comissão Geográfica e Geológica da Província de São Paulo.

Em todo o período que viveu no Brasil, entre 1875 e 1915, Derby apenas afastou-se do Brasil em três ocasiões, duas delas por motivos dos seus trabalhos no Museu Nacional, e uma pela Comissão de São Paulo.

Derby residiu em São Paulo a partir de 1886, e permaneceu no comando da Comissão Geográfica e Geológica da Província de São Paulo até o início de 1905. Neste ano desligou-se da comissão devido a uma série de desentendimentos que já vinham acontecendo desde 1900, através de críticas à sua metodologia criteriosa, redução de verbas e redução de salários. Assim como acontecera com Hartt, em relação à Comissão do Império, Derby sucumbia por motivos políticos.

Comissão Geográfica e Geológica de São Paulo – De pé, atrás, estão Antônio Avé Lallemant, Luiz Felipe Gonzaga de Campos, Eugen Hussak, Axel Frick, Antônio Lacerda e Alberto Löfgren. Sentados, Francisco de Paula Oliveira, Orville Adelbert Derby, Theodoro Fernandes Sampaio e João Frederico Washington Aguiar. Fotografia publicada no Boletim do Instituto Geográfico e Geológico.

Tão logo saiu da Comissão de São Paulo, Derby foi convidado por Miguel Calmon du Pin e Almeida (1879-1935), Secretário da Agricultura do Estado da Bahia, para reorganizar, com plenos poderes, o “Serviço de Terras e Minas do Estado da Bahia”. Derby permaneceu no cargo por dois anos, quando foi novamente convidado por Miguel Calmon, agora Ministro da Indústria, Viação e Obras Públicas do governo de Affonso Penna, para instalar o “Serviço Geológico e Mineralógico do Brasil”. Este órgão foi criado em 10 de Janeiro de 1907, tendo Derby como seu primeiro diretor.

Mesmo envolvido ao longo de sua vida profissional com atividades administrativas e, muitas vezes, burocráticas, Derby teve uma imensa produção científica, totalizando 175 publicações versando sobre a geologia em geral, mineralogia, geologia econômica, geografia física, cartografia, paleontologia, meteorologia e outros temas, dos quais 125 foram voltados à Geologia do Brasil. Considerado pelos seus colaboradores como uma pessoa extremamente polida, educada e respeitosa, nunca se deixou levar a ações grosseiras, mesmo tendo sido alvo de várias críticas por adversários invejosos, tanto no meio político como científico.

Foi entre 1912 e 1915 que a paleontóloga norte-americana Carlotta Joaquina Maury (1874-1938) colaborou, por convite de Derby, com o Serviço Geológico do Brasil, deixando importantes contribuições à Paleontologia do Brasil, em especial à de Sergipe. Além dela, vários respeitados pesquisadores estrangeiros estiveram envolvidos na pesquisa científica do país, todos a convite de Derby, como John Casper Branner, Roderic Crandall, Franz Eugen Hussak, Horace Elbert Williams e Milton Underdown.

Derby dedicou a maior parte de sua vida ao Brasil, onde viveu por 40 dos seus 64 anos de vida. Em Abril de 1915, solicitou finalmente sua naturalização brasileira, oficializada em Julho do mesmo ano.

Desde 1910 o “Serviço Geológico e Mineralógico do Brasil”, onde atuara por mais de oito anos, passava por momentos difíceis, com cortes de verbas e, como conseqüência, das suas atividades. Não se sabe exatamente quais os verdadeiros motivos que levaram Derby, em 27 de Novembro de 1915, a cometer suicídio, com um tiro de revólver à cabeça. Morava há nove anos no “Hotel dos Estrangeiros”, na Praça José de Alencar, no Catete, Rio de Janeiro. Nada deixou de pista, apenas uma carta iniciada para João Pandiá Calógeras, ex-ministro da Agricultura, Indústria e Comércio, onde apenas se lia “My dear Dr. Calogeras…“. Sabe-se apenas que Calógeras, quando ministro, no início de 1915, reduzira de forma ainda mais drástica o orçamento do Serviço Geológico, mudando também as diretrizes estabelecidas por Derby.

Derby sempre teve uma vida solitária, sem família no Brasil, longe dos seus laços originais americanos. Nunca se casou. Morou sempre em quartos de hotel. Teve fiéis amigos, que foram seus colaboradores no Museu Nacional ou pelos serviços geológicos por onde passou. De certo modo, sua vida foi dedicada exclusivamente a destrinchar a geologia do Brasil. Sua dedicação foi fundamental ao avanço do conhecimento geológico do Brasil, tornando-o um dos mais importantes geólogos que o país já teve.

Para saber mais:

  • Tosatto, P. 1998. Imagens do Brasil no tempo de Derby. DNPM, Rio de Janeiro, 128 pp.
  • Tosatto, P. 2001. Orville A. Derby – “O pai da Geologia do Brasil”. CPRM, DNPM, Rio de Janeiro, 126 pp.
  • Mahl, M. L. 2012. Orville Adelbert Derby: Notas para o Estudo de sua Atuação Científico-Intelectual em São Paulo (1886-1905). Revista de História, São Paulo, 167: 295-320.
  • A Noite, 1915. Suicida-se o eminente scientista Orville Derby. 1413, p. 1.

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