Por Wagner Souza-Lima
O tempo geológico
Ao longo da evolução do conhecimento científico, muitos estudiosos começaram a observar os fósseis e suas relações com as rochas onde ocorrem. Assim, foram notando que alguns grupos ocorriam em várias camadas, ao passo que outros tinham ocorrência muito restrita, e novos grupos surgiam nas camadas sobrejacentes, enquanto outros sumiam, e assim por diante. Esse ordenamento sucessivo de camadas chamou a atenção de Niels Steensen (1638-1686 – latinizado para Nicolas Steno), um cientista dinamarquês. Steno argumentou que cada camada, por ser depositada sucessivamente umas sobre as outras, representavam fatias do tempo. Então o que estava contido nessa camada representava o tempo de quando elas foram depositadas. Seria algo como o que chamamos de “cápsula do tempo”. Assim, Steno definiu o que se conhece como a “lei da superposição”, que estabelece que qualquer camada de uma sucessão de rochas sedimentares é mais antiga do que aquelas acima delas, e mais novas do que as que estão abaixo.
Então, se cada camada representa “o tempo”, seria possível compreender a história do planeta organizando-as! As primeiras tentativas de se propor uma escala para o tempo no planeta permitiram a divisão das rochas sedimentares em quatro conjuntos: primário, secundário, terciário e quaternário. Esta subdivisão baseou-se na observação de que entre os conjuntos haviam mudanças significativas nas rochas e no seu conteúdo fóssil que refletiam mudanças abruptas na história da Terra. Pouco a pouco, mais e mais cientistas foram estudando as rochas sedimentares, camada por camada, em diferentes pontos do planeta. A princípio, esses estudos foram dominados pelos cientistas europeus, os britânicos e franceses em particular. Deste modo, à medida em que se detectava alguma mudança expressiva dentro destes conjuntos, faziam-se novas subdivisões, que detalhavam ainda mais os eventos geológicos e biológicos da história do planeta. Assim, foram sendo propostos nomes para um desses intervalos de tempo e para as rochas que os registravam: por exemplo, o termo “Cambriano” foi proposto a partir de “Cambria”, o nome latino para o País de Gales, onde rochas características desse período foram estudadas.
Foram, deste modo, definidos os períodos, épocas e estágios da escala do tempo geológico conforme hoje conhecemos. O termo Cretáceo, p. ex., foi derivado do latim Creta, que significa “calcário”, tendo sido proposto por Jean d’Omalius d’Halloy em 1822 a partir de estudos dos calcários da bacia de Paris. O Jurássico, derivado das montanhas do Jura, no SE da França, e assim vários outros termos hoje consagrados. Estes diferentes conjuntos de estratos foram agrupados, e o intervalo de tempo associado a cada um deles permitiu a construção de uma escala do tempo geológico tal como hoje a conhecemos.
Cada um destes períodos de tempo na escala do tempo geológico tem seus limites marcados por mudanças geológicas ou paleontológicas registradas nestas camadas, correspondentes a eventos geológicos ou paleontológicos significativos na história do nosso planeta como, p. ex., as grandes extinções em massa, das quais as mais significativas são a da transição entre o Permiano e o Triássico (a maior de todas!) e aquela do final do Cretáceo (a mais famosa, que causou a extinção dos dinossauros).
Com base nessa organização sequencial de eventos é possível então compreender como ocorreu a evolução dos seres vivos e por quais modificações o planeta passou ao longo da sua história: tudo está registrado nas rochas, como um livro. Apenas precisamos aprender a lê-lo.
Como se datam as rochas usando fósseis?
A datação das rochas sedimentares utilizando fósseis parte do princípio de que alguns organismos, não um indivíduo, mas o grupo do qual faziam parte, tiveram uma existência restrita no tempo geológico, por vezes muito curta. Então sua ocorrência restringe-se a poucas camadas sedimentares. Assim, quando o fóssil deste mesmo organismo é encontrado em rochas de outros locais, presume-se que estas rochas tenham a mesma idade, pois os organismos teriam vivido na mesma época.
Os fósseis, em particular, os que tiveram uma existência muito curta, são os melhores indicadores de tempo. Essa existência curta, aliada a uma ampla distribuição geográfica, tal que ele ocorra em várias partes do planeta, e a facilidade de serem encontrados e identificados, os tornam aptos a serem denominados de FÓSSEIS-GUIA. Assim, quaisquer ocorrências destes fósseis em qualquer lugar do planeta definirão rochas de mesma idade. Normalmente fósseis marinhos, de natação livre, são os melhores fósseis-guias.
Cada fóssil-guia ou um conjunto de fósseis-guias define o que se chama BIOZONA ou, genericamente, “zona”. Cada biozona é denominada pelo nome do próprio fóssil que a define ou por um código.
Como a deposição de sedimentos é um processo relativamente contínuo nas áreas de deposição denominadas de BACIAS SEDIMENTARES, cada camada, definida por suas características composicionais (p. ex., areia, argila, etc.) e conteúdo fóssil sobrepõe-se àquelas já depositadas, numa sucessão de estratos à moda de um bolo e suas camadas. Assim, as camadas mais superiores são mais novas que as camadas inferiores, desde que não tenham ocorrido processos geológicos que possam ter invertido esse arranjo inicial, o que é comum em grandes cadeias de montanhas. Portanto a datação obtida pelo uso dos fósseis é denominada de DATAÇÃO RELATIVA, pois define apenas quais camadas são mais novas ou mais velhas baseadas no seu empilhamento ou pela detecção de fósseis-guias em camadas individuais de locais diferentes.
E como se estabelece que uma camada ou fóssil tem X milhões de anos? Isso é tema para outro assunto denominado de DATAÇÃO ABSOLUTA.