Por Wagner Souza-Lima
CACHOEIRA DO SABOEIRO
A Cachoeira do Saboeiro está localizada às margens do rio Vaza-Barris, aproximadamente entre as cidades de Lagarto e São Domingos, no Estado de Sergipe. Embora esteja mais próxima desta última, seu acesso mais fácil encontra-se através de Lagarto, pois evita-se tanto caminhar por uma trilha longa e pouco aberta, como ter que atravessar o rio Vaza-Barris. Por Lagarto, encontra-se a cerca de 100 km de Aracaju.
Constitui um magnífico exemplo ainda ativo da formação de travertinos associado a fontes superficiais de água doce enriquecidas em carbonato de cálcio (CaCO3), podendo por essa razão serem também denominados de “tufas”. É talvez o único ambiente do tipo existente em Sergipe, ativo até o Recente. A cachoeira forma-se praticamente no ponto de encontro do pequeno riacho do Saboeiro com o rio Vaza-Barris, estando a poucos metros deste último. O riacho do Saboeiro é um curso d’água de pequeno porte e extensão, cuja nascente principal encontra-se cerca de 500 m a NW da cachoeira, no sítio denominado “piscina do Saboeiro”.
Do ponto de vista geológico, a nascente do riacho do Saboeiro ocorre em metacarbonatos aparentemente fraturados da Formação Olhos d’Água, já bem próximos ao contato com os filitos e metagrauvacas da Formação Frei Paulo, que ocorrem ao lado da cachoeira. Estas unidades pertencem, respectivamente, aos grupos Vaza-Barris e Simão Dias, de idade neo- a mesoproterozóica. O sítio encontra-se na margem sudoeste do “Domo de Itabaiana”, ao sul da Serra da Miaba, uma feição estrutural do tipo braquianticlinal, originada provavelmente ainda no Neo-Criogeniano (cerca de 850 Ma), antes da deformação regional de toda a faixa dobrada, que ocorreu no final do Proterozóico (no ciclo denominado “Brasiliano”, entre 850 e 500 Ma).
A formação destes tipos de depósitos ocorre quando águas subterrâneas enriquecidas em dióxido de carbono (CO2) entram em contato com rochas carbonáticas, provocando sua dissolução, pois o dióxido de carbono dissolvido atua como um ácido fraco, transformando o carbonato de cálcio em bicarbonato de cálcio (Ca(HCO3)2):
CaCO3 + H2O + CO2 ⇌ Ca2+ + 2HCO−3
Como este composto é instável, e existe apenas em solução, quando sua concentração aumenta, qualquer perturbação no sistema que cause diminuição da pressão parcial de CO2 (pCO2) fará com que o carbonato de cálcio precipite novamente. E, nesse caso, a própria velocidade da corrente do córrego e o impacto das gotículas super-saturadas nas quedas d’água aumentam as interações entre a solução e o ar, favorecendo a precipitação, formando uma ampla gama de formações carbonáticas.
No sítio da cachoeira do Saboeiro são observados travertinos sob a forma de terraços, cascatas, represas, estalactites, cortinas, mini-represas, formas botrioidais ou massas de aspecto poroso envolvendo fragmentos orgânicos diversos (já decompostos, restando apenas a porosidade móldica), bem como incrustando seixos, fragmentos de rocha e conchas de gastrópodos (muitos dos quais ainda vivem nas pequenas represas).
Os travertinos estão distribuídos em uma área muito mais ampla do que o curso atual da cachoeira, sendo bem visível na escarpa adjacente ao norte, sugerindo que as condições de umidade podem ter sido mais amplas e favoráveis em tempos não muito remotos.
A presença de vegetação ao longo do trajeto do riacho, ao mesmo tempo que favorece a dissolução dos carbonatos pela presença de ácidos orgânicos, também induz sua precipitação com sua decomposição. É assim muito comum a preservação de moldes externos de pequenos fragmentos vegetais como caules, talos e frutos, bem como impressões foliares delicadamente delineadas. A precipitação de carbonato de cálcio induzida por atividade bacteriana tem sido amplamente documentada nestes processos na literatura mais recente, tendo importante papel neste tipo de precipitação ao redor de matéria orgânica em decomposição.
Percorrer o sítio da cachoeira é fácil apenas na sua parte superior, que engloba a nascente e o curto trecho do riacho até o início da queda. Já o acesso à cachoeira não é muito fácil, principalmente devido à sua altura, de cerca de 20 m, que despenca de uma escarpa íngreme e escorregadia. Há um acesso pela direita, não menos íngreme, bem marcado, difícil tanto na descida como na subida, que conta com um cabo de aço improvisado, mas não muito confiável, que serve de suporte. O elevado ângulo de mergulho das camadas da Formação Frei Paulo (cerca de 60°), dificulta o que já é difícil. Porém, com os devidos cuidados, não é impossível subir e descer.
Na parte superior, a vegetação predominante é do tipo savana gramíneo-lenhosa, com muita influência antrópica. Pequenos trechos com resquícios de vegetação nativa resistem ao longo do curso do riacho. Na área da cachoeira e do cânion do Vaza-Barris, florestas-de-galeria residuais são encontradas, ricas em pteridófitas, briófitas e licopodiófitas nas áreas úmidas.
Como chegar
Chegar até o local não é difícil, mesmo em carros não tracionados. A partir de Aracaju, por Lagarto, o acesso se dá pela BR-101 e BR-349 até esta última cidade. Seguindo em direção a Simão Dias, cerca de dois quilômetros adiante, toma-se o acesso à direita para o povoado Barro Vermelho e, depois, para o Saboeiro. Todo o trajeto é facilmente roteável.
Coordenadas do sítio: 10°47’30″S; 37°36’41″O