Por Rosana Souza-Lima
“EVOLUIR” significa mudar. Nem exatamente para melhor, nem para pior: saber como aquela estrutura vai funcionar após a mudança depende também de saber que modificações sofrerá o ambiente em que aquele ser vive. Você já se perguntou como ocorrem tantas espécies diferentes no nosso planeta? Pois é! Ao que tudo indica, por contínuas pequenas modificações nos seres vivos, um processo conhecido como “evolução”. A EVOLUÇÃO é o estudo dos processos pelos quais os seres vivos mudam ao longo do tempo. Normalmente estes processos os tornam mais aptos à sobrevivência. Os organismos, ao evoluir, podem dar origem a novas espécies, com características bem distintas daqueles seres originais. O estudo dos fósseis distribuídos ao longo das diversas camadas de um registro sedimentar mostra como esses processos ocorreram, quais modificações surgiram e quais grupos surgiram ou foram extintos.
No nosso planeta temos uma infinidade de seres vivos muito diferentes entre si (Figura 1): enquanto alguns têm apenas uma célula, muitos outros são formados por muitos trilhões delas. Sem falar dos vírus, que nem células têm, mas usam as células dos outros seres vivos a seu favor. Essas células se organizam de modos distintos formando seres que vivem fixos em determinados lugares, como muitos fungos e plantas, ou seres que se deslocam livremente por aí, como muitos protistas e animais. Alguns desses seres são estruturalmente muitos simples, mas há seres que podem ter sistemas corporais complexos, como são o sistema digestório ou sistema nervoso dos animais, ou o sistema de vasos condutores de plantas que podem ter a altura de um prédio de muitos andares!
Como é bastante discutido nos textos anteriores, a Terra muda todo o tempo: muda de posição no espaço, muda de posição em relação ao sol, sofre modificações de relevo… E os seres vivos, também mudam? À medida que foram sendo conhecidos fósseis de seres vivos muito diferentes dos que vivem atualmente, ficou evidente para os cientistas que alguns destes seres foram extintos. Outros fósseis, muito semelhantes aos seres que ainda vivem, pareciam ser de uma linhagem que se modificou ao longo do tempo (Figura 2). Será que isso seria possível? Como isso poderia acontecer?
Como quase tudo que existe no mundo, as ideias (mesmo as nossas!) também mudam ao longo do tempo. O conhecimento sobre qualquer assunto se beneficia continuamente de novas ideias, novos fatos, novas constatações. Assim, as ideias sobre o modo como ocorrem as modificações nos seres vivos ao longo do tempo, a chamada “TEORIA DA EVOLUÇÃO”, também tem sido constantemente atualizada, à medida que os pensadores entendem melhor os processos que podem causar essas modificações nos seres vivos. Desde a sugestão feita pelo biólogo francês Jean-Baptiste Lamarck em 1809 de uma “Teoria da Evolução”, muitos novos conhecimentos foram adicionados à essa proposta. E muitos mecanismos importantes nesse processo só começaram a ser compreendidos mais de 100 anos depois, quando os pesquisadores começaram a relacionar a teoria evolutiva às ideias sobre a hereditariedade das características em plantas propostas por Gregor Mendel em 1865 (Figura 3). Por aí você tem uma ideia de como podemos demorar a compreender um determinado problema!! E também deve ter entendido que a evolução tem uma forte ligação com a genética!
Apenas na década de 1950 começamos a compreender a relação entre o ácido desoxirribonucleico (DNA) e a herança de uma característica. O DNA é uma molécula constituída por segmentos, os nucleotídeos, que se repetem formando longas sequencias. Numa das extremidades desses nucleotídeos encontra-se um dos quatro tipos de bases nitrogenadas: é justamente a sequência dessas bases nitrogenadas que funciona como o código de construção de uma característica do organismo (Figura 4).
O DNA fica dividido em pacotes no núcleo da célula, os CROMOSSOMOS, cujo número costuma ser fixo em cada espécie: humanos têm 46 cromossomos (23 pares), enquanto o cão, por exemplo, possui 78 (39 pares), e um bovino possui 60 cromossomos (30 pares). Cada cromossomo tem um formato específico e é dividido em vários segmentos funcionais, os GENES: um gene é um segmento de uma molécula de DNA que codifica uma característica específica do organismo (Figura 5). Quando um ser vivo forma gametas, as células especiais que serão usadas na reprodução sexuada, a meiose separa os pares de cromossomos, de modo que cada gameta só tem um cromossomo de cada tipo. Quando ocorrer a fecundação, que é o encontro dos gametas masculinos e femininos, o cromossomo do pai se encontra com o cromossomo da mãe, formando uma mistura única de genes que resultarão em um novo ser vivo. Assim, cada ser que foi produzido por fecundação é um misto de caracteres herdados por cada um dos pais. Cada célula humana, por exemplo, tem cerca de 25.000 genes, e cada célula bovina possui cerca de 60 mil genes.
Cada ser vivo muda muito ao longo da vida. A maioria dessas mudanças são determinadas pelo funcionamento diferencial dos genes ao longo do tempo. Por ex., numa determinada idade os humanos, que nascem desdentados, formarão os primeiros dentes. Após algum tempo esses dentes cairão e serão substituídos por dentes geralmente maiores e mais fortes. Depois disso, nunca mais formarão dentes novamente: isso indica que há um tempo certo para a dentição se estabelecer. Já os cabelos podem crescer continuamente… embora em alguns casos eles possam cair completamente! Nosso padrão de crescimento dos cabelos pode ser facilmente identificado analisando-se nossos familiares. Entretanto, algumas mudanças que sofremos não são herdadas, mas são causadas pela ação do ambiente sobre o nosso material genético, e podem ser significativas a ponto de alterarem o funcionamento desses genes: essas são as mudanças causadas por MUTAÇÕES (Figura 6). Aleatórias, ocorrendo ao acaso, as mutações podem causar prejuízos, benefícios ou serem neutras, mas apenas se ocorrerem nos gametas serão transmissíveis aos descendentes.
Todo ser vivo, portanto, é constituído por um conjunto de características genéticas (Figura 7) que foram herdadas ou desenvolvidas através de um processo de mutação: nesse conjunto genético a maioria dos genes é funcional e fundamental para nossa vida, mas alguns deles podem determinar a expressão de características não tão boas. O que vai determinar a sobrevivência desses organismos são as respostas que seu corpo oferecerá, influenciado pelas condições ambientais do local em que vive. Se conseguir viver até à idade adulta e deixar filhotes, melhor ainda: garantiu que seu conjunto genético continuará presente nas futuras populações. Essa sobrevivência diferencial de alguns organismos constitui um dos processos chaves do processo evolutivo, pois determina que conjuntos gênicos estarão determinando as características das gerações futuras: esse é o processo da SELEÇÃO NATURAL, conhecido meio que incorretamente como a “lei do mais forte”. Na verdade, esse “mais forte” não quer dizer que os organismos muscularmente fortes sobreviverão (até porque nem todo organismo tem músculos!): significa apenas que aquele foi um dos conjuntos de genes “mais fortes” (= dos que tiveram melhores condições de ir para a frente) daquele concurso secreto de conjuntos de genes. É que quando Darwin e Wallace publicaram suas ideias sobre esse processo, em 1858, os cientistas da época nem tinham ideia ainda sobre quais eram as causas da hereditariedade (lembre-se que o trabalho de Mendel ficou esquecido por uns 30 anos, após sua publicação em 1865, até que os pesquisadores começassem a se dar conta da importância daquelas ideias).
O processo de seleção natural, portanto, depende da relação direta do nosso conjunto gênico com as condições ambientais no momento da nossa vida: será que se alguma coisa fosse um pouco diferente teríamos tido as mesmas chances? Jamais saberemos. E se fôssemos capazes de garantir que um organismo bem sucedido em uma certa geração estivesse presente, idêntico, com as mesmas características, em 2, 5 ou 10 gerações futuras, será que ele sempre se daria bem? Improvável, já que o mundo em que ele vive também muda bastante… às vezes até mesmo no espaço de um dia!
Por que um conjunto gênico que dura mais tempo é considerado “vencedor”? Porque esses genes continuarão interagindo com outros, determinando novas combinações de genes. A troca de genes pode ocorrer entre indivíduos de uma mesma população e até mesmo entre indivíduos de populações diferentes, criando um FLUXO GÊNICO (Figura 8) que espalhará esses genes para muito além do seu local de origem, garantindo a divulgação de suas características em outros lugares. Esses genes dispersos são quase como se fosse uma publicação no Instagram que ganha cada vez mais curtidas por pessoas que vivem em muitos lugares do mundo, até mesmo locais que quem publicou nem sabia que existiam.
Entretanto, mesmo se espalhando por aí, os genes estarão sempre sujeitos à seleção provocada por eventos ambientais, sejam eles naturais ou artificiais. Uma catástrofe ambiental, como um terremoto ou a explosão de uma barragem, extermina organismos ao acaso, alterando drasticamente os rumos das várias populações de seres vivos daquele local. Assim, após um evento qualquer que afete os organismos vivos de uma dada região sempre haverá um novo saldo de genes circulando por aquela área. A isso damos o nome de DERIVA GÊNICA: é um processo aleatório (= ocorre ao acaso), e não há como prever a direção da mudança relativa aos tipos de genes que se estabelecerão naquela área a partir daquele momento (Figura 9). Quanto menor o tamanho da população resultante, maior será o efeito da deriva gênica. O evento catastrófico causa um EFEITO DE GARGALO, assim nomeado simbolizando o espaço estreito por onde o conteúdo da garrafa (= população) terá que passar para ter novas oportunidades. Essa população será a responsável pelo repovoamento daquela área, e os genes que possui serão a matriz de variações futuras: chamamos a isso de EFEITO FUNDADOR.
Assim como ocorrem mudanças individuais com cada organismo, as espécies que eles representam também acumulam mudanças ao longo dos milhares de anos em que vivem no Planeta Terra: o termo técnico para designar esse conjunto de mudanças é ANAGÊNESE. Todas essas mudanças acumuladas, que vão sendo trabalhadas pelos eventos acima descritos ao longo do tempo, são responsáveis por alterar o genótipo (= conjunto de genes) de uma população (Figura 10).
Quando alguma barreira separa os organismos de uma população interrompendo seu fluxo gênico, está criada a oportunidade para a evolução diferencial das populações separadas. Esse evento de separação é chamado de EVENTO CLADOGENÉTICO, e a interrupção do fluxo gênico pode ser causado por uma barreira geográfica (Figura 11) ou por um processo que impeça, dali em diante, a reprodução dos indivíduos originários das distintas populações.
Assim é, portanto, que os cientistas estimam que seja o processo de surgimento de espécies novas (= ESPECIAÇÃO). Além dos efeitos da deriva gênica e do efeito gargalo, porém, que podem reduzir muito o número de organismos de uma população, outros processos podem levar à contínua diminuição do número de indivíduos de uma dada espécie até que os últimos organismos morram; sem mais descendentes, a espécie é declarada extinta (Figura 12). A extinção pode ocorrer mesmo em espécies que tenham tido populações grandes, mas que aos poucos foram sofrendo diminuições do número de indivíduos e extinções locais, até que definitivamente não ocorra mais. E dependendo do local em que esses seres viveram e morreram os seus corpos podem ser parcialmente preservados, constituindo o registro fóssil.