Os vegetais

Fig. 1: Relações de parentesco entre os membros de Archaeplastida. Fonte: Rosana Souza-Lima, 2021; baseado em dados da literatura científica.

Os Vegetais são mais um dos grandes grupos dentro dos domínios dos Eucariontes. E como tem ocorrido com todos os seres vivos do Planeta, suas relações filogenéticas e as diagnoses dos vários grupos que inclui estão, nesse momento, sendo amplamente discutidos. Atualmente, o melhor termo para chamarmos este grande agrupamento é Archaeplastida! O que significaria esse nome? Archaea significa primitiva, plasto se refere a cloroplasto: a novidade evolutiva (=apomorfia) que define esse grupo é a presença de cloroplastos simples de membrana dupla originários de endossimbiose primária.

Figura 2: Endossimbiose primária originando cloroplastos simples de paredes duplas, baseado em imagens da literatura científica.

No texto sobre “Os animais” falamos sobre a endossimbiose que resultou no surgimento de uma célula eucariótica com mitocôndrias. A proposta é de que a endossimbiose de uma célula eucarionte, já com mitocôndrias, desenvolveu os cloroplastos ao englobar uma cianobactéria. Em algumas linhagens de outros grupos é postulada a ocorrência de eventos endossimbióticos secundários e terciários causados pela integração de uma célula eucariótica por outra célula eucariota ou parte dessas células que resultaram em cloroplastos de estrutura diferente da dos cloroplastos simples. Assim, todos os eucariontes que fazem fotossíntese têm clorofila a herdada desse ancestral do cloroplasto simples; a partir daí muitas linhagens se originaram, e suas histórias evolutivas foram se tornando muito distintas umas das outras. Mas vamos conversar agora sobre os Archaeplastida, que são reunidos pelo fato de terem cloroplastos simples de membrana dupla.

Figura 3: Cloroplasto simples de parede dupla. Fonte: Rosana Souza-Lima, 2021; baseado em imagens da literatura científica.

Há registros de que a vida na Terra começou antes do Proterozoico, uma gigantesca era que durou 2 bilhões de anos – de 2,5 bilhões a 541 milhões de anos atrás. Os fósseis dessas rochas muito antigas apresentam vestígios de procariontes anaeróbios e também de formações rochosas especiais feitas por cianobactérias, os estromatólitos. Nessa época também há registros de eucariontes: as primeiras algas bentônicas têm cerca de 2 bilhões de anos, enquanto os primeiros fósseis confirmados de fitoplâncton têm aproximadamente 1,5 bilhão de anos. Ainda temos estromatólitos vivos atualmente, que se formam em alguns ambientes costeiros com altas taxas de evaporação, provocando aumento local da salinidade.

Figura 4: Estromatólito (gênero Jurusania Krylov, 1963) formado por cianobactérias; Irecê, BA. Foto: Rosana Souza-Lima, 2017.

Estima-se que os eucariontes surgiram a cerca de 2 bilhões de anos como organismos heterótrofos. Há cerca de 650 milhões de anos, ainda no Proterozóico, há registro de seres autótrofos multicelulares e os primeiros organismos terrestres surgiram há 450 milhões de anos. À medida que autótrofos multicelulares cresceram em tamanho deve ter ocorrido a pressão que levou ao desenvolvimento de tecidos condutores que levavam a energia produzida pelas células iluminadas para as células não iluminadas no centro desses corpos, que assim puderam crescer mais. O grupo Archaeplastida inclui algas, que tradicionalmente eram incluídas no Reino Protista, e plantas terrestres. As plantas compartilham com as algas verdes a presença de clorofila a como o principal pigmento fotossintetizante, além de pigmentos acessórios, como clorofila b e carotenóides.

Figura 5: O tempo geológico e o desenvolvimento de linhagens de Archaeplastida. Fonte: Wagner Souza-Lima, 2021.

As embriófitas, grupo que reúne todas as plantas terrestres (Figura 6) são definidas por apresentarem embrião multicelular, cutícula, esporófito multicelular, esporângios e gametângios multicelulares e alternância de geração do tipo heteromórfica. O que é “alternância de geração do tipo heteromórfica”? Significa que cada indivíduo desse grupo possui duas fases de vida bem diferentes entre si, alternando uma fase de reprodução sexuada e uma de reprodução assexuada. Vamos lembrar que cada organismo formado por reprodução sexuada, seja ele planta, animal, bactéria ou fungo, sempre recebe metade de seus cromossomos da mãe e metade dos seus cromossomos do pai. Esses cromossomos estão nos gametas, que são haplóides (n), carregando metade dos cromossomos do indivíduo que os originou. Assim, quando um gameta se junta a outro forma um organismo diplóide (gameta n + gameta n = zigoto 2n). No caso das embriófitas, a fase de gametófito (sexuada), como já é haplóide (n), produz gametas por mitose; afinal, gametas sempre são haplóides, pois após a fecundação dos gametas forma-se um zigoto diplóide (2n). Esse zigoto crescerá através de muitas mitoses até originar a fase de esporófito (assexuada). Este produz esporos por meiose, ou seja: o esporófito é 2n e, por meiose, produz esporos n. Ao germinar os esporos dão origem a novos gametófitos n.

Figura 6: Relações de parentesco entre os membros de Embriófitas. Fonte: Rosana Souza-Lima, 2021; baseado em dados da literatura científica.

As “Briófitas” são as plantas terrestres não vasculares, que surgiram no Siluriano, há 420 Ma. Como não têm vasos condutores só podem viver em ambientes úmidos e são plantas de porte pequeno. O gametófito haplóide é a fase dominante, e o esporófito tem vida muito curta. Atualmente o grupo anteriormente denominado “Briófitas” foi dividido em Hepáticas e Antóceros, grupos mais basais, e Briófita propriamente dito ficou mais restrito, incluindo apenas os musgos. Esse grupo restrito, Bryophita, é grupo irmão das Traqueófitas, que são as plantas com vasos condutores de seiva. Os musgos têm o corpo diferenciado em rizoide, cauloide e filoides e têm até condição de viver em ambientes um pouco mais secos, enquanto que as espécies incluídas nos grupos mais basais dependem de maior umidade.

Figura 7: Ambiente úmidos e sombreados, como esse à beira de um rio, são ideais para o crescimento das briófitas, que formam extensos tapetes (Gramado, RS). Foto: Rosana Souza-Lima, 2017.

As “Pteridófitas”, surgidas no Devoniano, foram divididas em dois grupos. As Lycophyta são o grupo mais antigo de traqueófitas e suas folhas têm apenas uma nervura central. As Monilophyta incluem espécies mais simples, como as do gênero Equisetum e as mais de 10 mil espécies de samambaias. Essas plantas têm folhas com um padrão de nervação mais complexo. As novas folhas crescem enroladas na forma de báculo (Figura 8); os esporos são produzidos nos soros, uma bolsa que se rompe quando os esporos estão maduros. Esse grupo já faz parte das Traqueófitas, significando que têm xilema e floema; o corpo é diferenciado em raiz, caule e folhas, e as folhas onde se formam os esporângios são chamadas de esporófilos. O esporófito diplóide é a fase dominante em “Pteridófitas”, “Gymnospermas” e “Angiospermas”.

Figura 8: À esquerda, exemplo de “Pteridófitas” na fase de esporófitos (Monilophyta); à direita o(s) báculo(s), folha(s) em crescimento (Rio de Janeiro, RJ). Foto: Rosana Souza-Lima, 2018.

“Gymnospermas” e Angiospermas fazem parte de um grupo chamado Espermatófitas, porque apresentam sementes. Entretanto, as plantas terrestres vasculares com sementes nuas, como eram tradicionalmente definidas as “Gymnospermas”, são agora divididas em 4 grupos que não são monofiléticos: ainda não estão bem esclarecidas as relações de parentesco entre Cycadophyta (cicas), Coniferophyta (coníferas) e Ginkgophyta (ginkgo); as Gnetophyta (gnetos) são o grupo-irmão das Angiospermas. As “Gymnospermas” possuem as sementes nuas pois não formam frutos: ficam protegidos em flores especiais, os estróbilos (ou cones), e desenvolvem esporos de dois tamanhos: pequenos e grandes.

Figura 9: A) Dois “pinheiros do Paraná”, Araucaria angustifolia, Coniferophyta típica das regiões altas do sudeste e sul do Brasil, emolduram a cachoeira do Caracol (Canela, RS); B a E: estróbilos de Coniferophyta (B: Vancouver,BC, Canadá; C – E: Canela, RS). Fotos: Rosana Souza-Lima, 2017.

As Cycadophyta são comuns em jardins, e produzem estróbilos grandes e vistosos. As Ginkgophyta apresentam apenas uma espécie atual, a Ginkgo biloba, que é considerada um fóssil vivo por apresentarem praticamente o mesmo aspecto há 150 milhões de anos. O grupo das Coniferophyta inclui as formas mais conhecidas do público em geral: araucária, pinheiros, ciprestes e sequoias (Figura 30). São geralmente árvores lenhosas com muitos ramos, de folhas simples e pontiagudas. Geralmente essas árvores são monóicas ou hermafroditas, ou seja: na mesma árvore estão os estróbilos masculinos, menores, e os estróbilos femininos, maiores. Por fim, as Gnetophyta são pouco conhecidas na região Neotropical, pois só ocorrem a oeste dos Andes; possuem vasos condutores muito similares ao das Angiospermas. Triássico com cicadáceas (Bennetialles, por ex.)

Figura 10: A) Vista do centro de crescimento de uma Cycadophyta; B) Estróbilos de Cycadophyta. Fotos: Rosana Souza-Lima, 2021.

As principais novidades evolutivas relacionadas às Angiospermas, classificadas no filo Anthophyta, estão relacionadas a suas flores produtoras de gametas e à estrutura de seus frutos protetores das sementes. São um grupo muito diverso atualmente, abrangendo aproximadamente 90% de todas as espécies de plantas atuais. As Angiospermas sofreram fechamento da folhar carpelar (esporofilo) que é aberta nas “Gymnospermas”, e assim há formação de um receptáculo que protege as sementes, o ovário.

Figura 11: As flores das Angiospermas têm belas cores, deliciosos (ou não!) aromas, pólen e néctar: todas essas estruturas visam atrair animais polinizadores. Fotos: Rosana Souza-Lima, 2021.

As flores são estruturas especializadas que protegem as estruturas reprodutivas e chamam a atenção de agentes polinizadores; assim, apresentam muitas características resultantes de adaptações a polinizadores específicos.

Figura 12: As “Gymnospermas” (esquerda; Vancouver, BC, Canadá) e Angiospermas (direita; Rio de Janeiro, RJ) incluem espécies de porte muito grande, resultante das possibilidades de crescimento permitidas pelas presença de vasos condutores sustentados por lignina. Fotos: Rosana Souza-Lima, 2017.

Conhecendo um pouco mais dos dois mais ‘famosos’ grupos de seres vivos da Terra percebemos que incrível é a diversidade de formas e papéis ecológicos, muitos deles desenvolvidos em processos milenares de coevolução. As características dessas intrincadas relações muitas vezes baseiam-se em um delicado equilíbrio entre as populações de cada uma das espécies envolvidas. O desequilíbrio causado pelas próprias mudanças naturais do planeta, ou aceleradas pelo crescimento das populações humanas podem desestabilizar essa sensível integração e causar danos a todos que vivem na Terra. Vamos falar mais disso!              

Figura 13: Momento de ocorrência dos principais eventos da história da vida na Terra, considerando um período de 24 horas. Fonte: Rosana Souza Lima, 2021, adaptado de Raven, 2003 – Biologia Vegetal, 5ª Ed., p. 10.

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