Fenômenos naturais e impactos ambientais sobre ecossistemas terrestres e aquáticos

Por Wagner Souza-Lima

Como vimos, a Terra é um planeta em constante movimento, em todos os aspectos possíveis. Camadas internas do planeta dissipam o calor desde o núcleo, criando imensas correntes de convecção no manto. Estas correntes movimentam as placas tectônicas, e com isso modificam as configurações dos continentes. Esses processos constroem montanhas (os movimentos denominados OROGÊNICOS), destroem placas e reciclam rochas (e com isso perdemos registros do passado…). Os movimentos das placas causam terremotos e atividades vulcânicas, que podem causar tsunamis e muita destruição. A água e o vento causam erosão das rochas, dos solos e dos sedimentos, mudam a paisagem do planeta constantemente, à nossa vista. Mas todos esses fenômenos são naturais, fazem parte da dinâmica do planeta, e ocorrem no planeta de uma ou outra forma desde a origem da Terra.

Entre o Paleoceno e o Eoceno (há 56 Ma), p. ex., estima-se que a temperatura global aumentou entre 5 e 8°C, assim permanecendo por entre 20 e 50 mil anos. As causas são ainda discutidas, mas supõe-se que o aumento tenha sido ocasionado por intenso vulcanismo no Atlântico Norte. O aumento da temperatura causou, dentre outros, a extinção de muitos foraminíferos bentônicos e o avanço dos mamíferos para a Europa e América do Norte. Já no final do Proterozoico, há cerca de 720 Ma, a Terra passou por um dos períodos mais frios da sua história. As temperaturas chegaram a valores tão baixos, que as geleiras cobriram o planeta até cerca de 25° em relação ao equador, o que levou à proposta da teoria da “Terra bola de neve (snowball Earth)”. Esses são alguns exemplos, contudo vários outros fenômenos naturais de efeitos drásticos ocorreram na Terra ao longo da sua história geológica. Muitos deles ocasionaram profundas modificações ambientais, com a extinção de muitos organismos terrestres e marinhos (figura).

Figura 1: Representação das posição relativa dos mares em relação ao nível atual (0, no eixo y) ao longo do tempo geológico (eixo x). O tempo está representado de forma abreviada: N (Neogeno), Pg (Paleogeno), K (Cretáceo), J (Jurássico), Tr (Triássico), P (Permiano), C (Carbonífero), D (Devoniano), S (Siluriano), O (Ordoviciano), Cm (Cambriano). As curvas variam de acordo com a metodologia empregada, assim são mostradas duas opções, a azul e a vermelha. Fonte: www.globalwarmingart.com (CC BY-SA 3.0).

Então poderíamos pensar: o aquecimento global não é uma ameaça? Ele já aconteceu outras vezes… A questão é como e a quais taxas isso acontece. As variações globais de temperatura ocorreram e ainda ocorrem. São processos naturais, por vezes influenciado por questões interplanetárias. Mas ocorrem como processos muito, muito lentos – o aquecimento do limite Paleoceno-Eoceno, p. ex., levou cerca de 30 mil anos. Isso é rápido do ponto de vista geológico, mas do ponto de vista da vida humana, é um tempo enorme. O problema é quando esses processos ocorrem de forma acelerada, como decorrente da ação humana.

Os homens desmatam, matam, constroem, poluem, envenenam o meio ambiente. Tudo muda drasticamente numa questão de anos a poucos dias! Desastres ambientais do tipo que ocorreu em Mariana (2015; figura 2) e Brumadinho (2019) causam danos ambientais imensuráveis! A aceleração do desmatamento, queimadas, poluição industrial, liberação de monóxido de carbono, dentre outros, acelera o aumento da temperatura global, independentemente de ser uma tendência natural ou não. O aquecimento acentuado, descontrolado, leva ao derretimento das calotas polares e dos campos de gelo das altitudes, causando a elevação do nível dos mares.

Figura 2: Bento Rodrigues, Mariana, Minas Gerais, após o rompimento da barragem da Samarco (19/11/2015). Foto: Rogério Alves, TV Senado (CC BY 2.0).

A elevação e descida do nível dos mares é também um processo natural. Entre meados do Cretáceo e hoje, o nível do mar desceu pelo menos 200 metros! Mas isso ocorreu em mais de 90 Ma! Mesmo as variações do nível do mar durante o Pleistoceno (2,58 a 0,012 Ma), ou seja, em tempo bastante “próximos” dos dias atuais, ocorreram ao longo de milhares de anos! No último deles, o nível do mar estava 130 m mais baixo do que o nível atual. Estas variações, relacionadas a eventos glaciais, ocorreram ao longo de 100000 anos, e vários outros eventos semelhantes associados ocorreram ao longo de 40000 anos. Mesmo se fôssemos imaginar que algum componente da megafauna do pleistoceno, p. ex., um mastodonte, vivesse próximo à costa durante esses eventos, ele teria tempo mais do que suficiente para se retirar da área, pois o evento, para ocorrer, levou muito mais tempo do que a vida do próprio animal. E o que vemos hoje? O homem ocupa as faixas costeiras, faz edificações em áreas naturalmente associadas à dinâmica marinha, e reclama quando o mar destrói estas construções. Não é o mar que está no lugar errado…

Mas, brincadeiras à parte, a ação humana é muito mais drástica do que essas meras “construções-no-lugar-errado”. Vamos a um exemplo bem conhecido. O mar de Aral, situado entre o Cazaquistão e o Uzbequistão, já foi o quarto maior lago do planeta. A retirada de água do lago, para irrigação já ocorria desde o início do séc. 20. O processo de encolhimento do lago foi acelerado na década de 1960, quando o governo soviético decidiu desviar dois importantes rios que abasteciam o lago para irrigar plantações de algodão. Entre 1970 e 2000, sua profundidade foi reduzida em cerca de 20 m, perdendo 90% da sua área original, sua salinidade aumentou em mais de cinco vezes, e hoje é representando por três pequenos lagos bem menores, desconectados, em processo contínuo de desertificação (Figura 3). Praticamente toda sua flora e fauna foi dizimada. Os impactos maiores são obviamente ambientais, mas ligam-se a impactos econômicos e outros ligados diretamente aos humanos, que necessitam de água como fundamental para sobrevivência na região.

Figura 3: Neste vídeo observam-se as modificações no mar de Aral ocorridas entre 2000 e 2018. Em 2000, o volume do lago já era bastante menor que o existente em 1960, mas diminuiu ainda mais nas décadas seguintes. Fonte: Shrinking Aral Sea 2000-2018.webm. Imagens do NASA Earth Observatory; animação: Dexxor, 2020.

Não faltariam exemplos aqui. A vida na Terra poderia sofrer danos significativos no futuro, por processos que ocorram naturalmente, de características imprevisíveis, mas esses são fenômenos naturais. Não à toa se monitora a atividade de vulcões ativos e daqueles que podem se tornar potencialmente ativos. Acompanha-se a ocorrência de atividade sísmica de quaisquer magnitudes em laboratórios sismológicos espalhados por vários lugares do mundo. Chegamos a um nível de avanço tecnológico em que até mesmo as agências espaciais ao redor do mundo desenvolvem projetos de monitoramento de “near-Earth objects, ou NEO”, como são chamados os objetos relativamente próximos à Terra que tenham um potencial de destruição catastrófica. A questão é que o perigo pode não vir de fora. É o que chamamos de “fogo amigo”.

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