Por Wagner Souza-Lima
Misture hidrogênio, amônia, metano e vapor d’água. Submeta a mistura a descargas elétricas e destile o líquido obtido. Isso, que parece uma receita, foi uma experiência química realizada em 1952 pelos químicos Stanley Miller (1930-2007) e seu professor, Harold Urey (1893-1981). Baseada na hipótese do bioquímico russo Aleksandr Oparin (1894-1980) de que a atmosfera primitiva da Terra seria fortemente redutora, e constituída destes compostos, o experimento tentava reproduzir processos que teriam ocorrido na Terra durante as etapas iniciais de resfriamento logo após a sua formação. As descargas elétricas simulavam as frequentes tempestades com raios – o processo forneceria energia para que algumas moléculas da atmosfera se unissem, gerando moléculas maiores e mais complexas, que seriam as primeiras moléculas orgânicas do nosso planeta. Ao final do experimento, que ficou conhecido como de “Miller-Urey”, a análise da solução mostrou a presença de alguns aminoácidos que seriam precursores da origem da vida. Os aminoácidos inicialmente identificados foram a glicina, alanina e o ácido aspártico. Muito tempo depois, a análise dos líquidos destes experimentos, guardados em recipientes selados, mostraram a existência de mais de 20 aminoácidos, número superior àquele que ocorre naturalmente no código genético.
Os processos hipotéticos que sugerem que o surgimento da vida ocorreu como um processo natural ocorrido por reações entre composto inorgânicos são agrupados na “ABIOGÊNESE”. Na verdade, existem várias hipóteses acerca do surgimento da vida na Terra. Estas hipóteses abrangem desde fontes extraterrestres – a hipótese da panspermia, através da qual a vida microscópica teria se desenvolvido fora da Terra e trazida para o planeta por meteoroides e outras partículas celestes, até modelos essencialmente abstratos, como o que sugere que as associações ao acaso de diversos compostos químicos competissem entre si, até que a mais viável conseguisse estabelecer funções essenciais de um sistema vivo primitivo. Mas até o momento, a hipótese da origem baseada nas ideias de Miller-Urey e outras derivadas e relacionadas, é ainda bastante plausível e aceita pela comunidade científica.
Evidências mais recentes sugerem que a composição da atmosfera primitiva da Terra seria ligeiramente diferente da avaliada no experimento, contudo experimentos prebióticos seguem produzindo compostos simples e outros complexos, o que valida o experimento.
Hoje sabemos que, para que haja a vida, alguns elementos químicos, denominados de “biogênicos”, são essenciais: carbono, hidrogênio, oxigênio, nitrogênio, fósforo e enxofre. Além disso, é fundamental que as temperaturas que ocorriam no início da história do nosso planeta, mesmo que extremas, permitissem a existência de água no estado líquido.
Ambientes deste tipo são encontrados em sistemas hidrotermais ricos em ferro em águas ultra-profundas dos oceanos, associados às cadeias meso-oceânicas e denominados de “suspiros submarinos” (submarine vents). Estas feições constituem fontes termais onde foram descobertas ricas comunidades biológicas vivendo na mais completa escuridão, a profundidades superiores a 2500 m. Estas comunidades se alimentam de bactérias quimiolitoautotróficas, ou seja, de organismos que produzem substâncias nutritivas (trophos) a partir da energia liberada por reações químicas entre componentes inorgânicos, neste caso as rochas (litos) e os gases (chimios) liberados por estas estruturas, normalmente ricos em sulfetos de hidrogênio.
A compreensão destas feições deu suporte à hipótese de que os primeiros seres vivos seriam autotróficos, ou seja, produziriam seu próprio alimento a partir da reação de substâncias orgânicas, como o gás carbônico, com a energia proveniente do ambiente, como se observa ainda hoje com alguns tipos de bactérias e com as plantas (p. ex., o processo de fotossíntese). Trata-se de uma hipótese muito provável, pois apenas com o progresso da vida sobre o planeta é que começou a haver moléculas orgânicas suficientes para sustentar uma maior quantidade e diversidade de seres vivos. Surgiriam então os organismos heterotróficos, que obteriam alimento a partir dessas moléculas orgânicas (heteros, diferente).
Estudos recentes de algumas das rochas da Terra, com idade em torno de 3,2 bilhões de anos, mostraram um padrão de proporção de átomos leves e pesados de nitrogênio apenas conhecido quando oriundo das atividades realizadas por organismos unicelulares que sintetizam enzimas que permitem a fixação desse elemento. Outros estudos, efetuados em rochas com idades entre 3,8 e 4,3 bilhões de anos, provenientes da província de Québec, no Canadá, constataram a presença de filamentos tubulares microscópicos que foram interpretados como bactérias oceânicas que metabolizavam ferro em ambientes submarinos hidrotermais do início do Arqueano ou ainda mais antigos.
Ambientes geotermais superficiais modernos também reproduzem, de certo modo, condições semelhantes às que podem ter existido no começo da história do nosso planeta. Nestes ambientes, ocorrem fontes com altas temperaturas, ricas em compostos minerais em solução, e gases em abundância. E, onde menos se esperaria vida, se encontram bioconstruções associadas à atividade de cianobactérias e/ou outras bactérias hipertermófilas (organismos que suportam ambientes com temperaturas superiores a 60°C).
Quatro grupos principais de compostos químicos regem as funções vitais: os lipídios (que constituem, p. ex., a membrana celular), os carboidratos (uma fonte de energia, representada, p. ex., pelos açúcares), os aminoácidos (fundamentais na síntese proteica) e os ácidos nucléicos (os “famosos” DNA e RNA). Assim, independente da hipótese acerca do surgimento da vida, quaisquer teorias devem explicar a origem e interação entre estas moléculas.
Porém certamente a transição de formas não viventes para os seres vivos não ocorreu como um evento único, sendo um processo evolutivo de complexidade crescente ao longo de todo o tempo geológico. Destes processos, talvez um dos mais importantes foi o do desenvolvimento da membrana plasmática, uma delicada película que envolve os componentes internos às células, mantendo condições físico-químicas diferenciadas e adequadas aos processos químicos fundamentais à existência da vida.
Estes e outros eventos, quando, como e onde ocorreram, é o que veremos no tópico “Os principais eventos na história da vida na Terra”.